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«O importante não é aquilo que fazem de nós, mas que nós mesmos fazemos
do que os outros fizeram de nós». In Jean.Paul Sartre
«(…) Quero falar com o seu superior, ordenou o mais velho, sem
delongas, um olhar altivo de quem sabe o poder que tem cada palavra saída da
sua boca. O ordenança foi chamar o nosso bem conhecido oficial, que instalou os
dois visitantes no seu gabinete. Sou o Marques Godofredo de Santa Maria. Muito
prazer. Compreende que não cumprimente o Marques, mas o senhor Godof redo. Seja.
Não vim aqui falar de política. Folgo em sabe-lo. Com isto do serviço militar
obrigatório tocou ao meu filho Godofredo ter de servir as forcas armadas.
Pagarei o que for necessário para que arranje um substituto que ocupe o lugar
do meu filho. Lamento, mas a Lei do Recrutamento já não prevê essa prática. O
governo aboliu a lei da substituição, pelo que o Godofredo II vai ter de servir
a pátria. Décimo oitavo. Desculpe? Ele será o Godofredo décimo oitavo e não o
segundo. Sou o décimo sétimo marquês de Santa Maria.
Pois. Seja como for, segundo ou décimo oitavo, cá o esperarei
para ingressar nos quadros do exército e servir ao Presidente da República. Deus
me livre, soltou o Godofredo mais velho, enquanto o jovem estava lívido. Decerto
a lei prevê excepções. Decerto prevê. Cidadão deficiente ou delinquente está
dispensado do serviço militar, mas não vislumbro qualquer sinal de deficiência
ou delinquência. Posso sempre mandá-lo para o estrangeiro. Pode. E o senhor
será o último marquês de Santa Maria. Ainda que, como sabe, isso não valha nada
de nada. Pertence ao passado. A Monarquia nunca será aniquilada neste país,
esta República pode durar dez, vinte, cem anos. Haverá sempre alguém pronto
para se sentar no trono. Mas não é o local nem a hora para falarmos sobre isso.
O que quero saber é se pode fazer algo pelo meu filho. Poderei. Pode? Pode
livrá-lo do exército? Poderei. Mas não é assunto para tratar aqui, nem agora.
Deixo-lhe a minha morada. Passe por lá para jantar, quiçá,
amanha ou nalgum dia desta semana. Amanhã está bom. Muito bem. Até amanhã.
Saberei agradecer-lhe. Conforme combinado o coronel apresentou-se na morada do
marquês, no dia seguinte, um solar perto do Porto, muito bem cuidado, com
escadaria dupla a embocar na grande porta pintada de verde, por onde o coronel
adentrou e foi conduzido por um mordomo até um enorme saldo de convívio onde
não se encontrava vivalma, pelo menos assim parecia, num primeiro relance.
Assim que se viu largado pelo mordomo tratou de se familiarizar com o lugar, as
paredes pejadas de pinturas e tapeçarias com motivos monárquicos, ao fundo, um
quadro grandioso de um cavaleiro, dentro de uma armadura, segurando um elmo
numa das mãos. Acercou-se a ver de quem se tratava, mas tido havia nenhuma
placa a identificar o retrato, talvez não passasse apenas de uma pintura
monárquica sem mais história.
Dom Godofredo, primeiro marquês de Santa Maria, pronunciou uma voz
feminina por detrás dele. Claro. Como é que ele não pensara nisso, era lógico. Os
outros dezasseis estão no corredor, se quiser ir ver. Obrigado. É uma pintura
enorme. Tudo nesta casa é enorme». In Luís Miguel Rocha, Um País Encantado,
Planeta Editora, Lisboa, 2005, ISBN 972-731-176-8.
Cortesia de PlanetaE/JDACT