jdact e wikipedia
Uma
inocente conhece o mundo. 1335
(…) Mas não o Sr. Janyn. Ele mantinha o charme e a simpatia que
exibira todas as vezes que já fora a nossa casa. Will e Mary haviam sido
enxotados para a cozinha com Nan, e parte de mim ansiava por estar com eles, à
vontade e sossegada. Eu sentia como se tudo o que era familiar e tranquilizador
tivesse sido posto numa carroça que se afastava rapidamente, muito rapidamente,
e queria protestar, exigindo que tudo me fosse imediatamente devolvido e posto
de volta no seu devido lugar, tudo como sempre havia sido. Entretanto, o Sr.
Janyn cuidou para que eu não me sentisse assim por muito tempo. Enquanto os
outros adultos conversavam entre si numa cortesia ensaiada, ele nos entretinha,
a John e a mim, com histórias das suas viagens à Lombardia, a Nápoles, Calais,
Bruges. Duvidei das suspeitas de minha mãe quanto a suas intenções de propor-me casamento, pois, com toda aquela distinção e
aquele conhecimento do mundo, somados aos cerca de vinte anos que nos
separavam, ele não poderia interessar-se em fazer de mim, uma criança, a
senhora da sua casa. Ainda assim…, uma vez por outra ele me olhava com uma
expressão curiosa, como se se indagasse a meu respeito, talvez me imaginando em
diferentes cenários ou diferentes figurinos. Perguntou-me sobre as minhas
preferências, cores, pratos e até mesmo as festas, ouvindo tudo tão
concentradamente que às vezes repetia as minhas exactas palavras para si mesmo,
como se estivesse determinado a lembrar-se delas. Depois de contar uma das suas
viagens ou algum episódio qualquer da sua vida, ele me espiava, conferindo se a
narrativa havia sido do meu agrado. Não tratava John do mesmo modo. Julguei ser
aquele o comportamento de um homem fazendo a corte. Enfim, encerrou-se o jantar
e eu me vi à porta, despedindo-me dos convidados. Madame Tommasa tocou-me de
leve na face, dizendo-me que esperava ver-me novamente em breve. O Sr. Perrers
discutia vivamente com o meu pai a respeito das notícias acerca de um navio
perdido no Canal, de propriedade de um
amigo em comum dos dois. Janyn tomou as minhas mãos entre as suas e fitou-me
nos olhos profundamente. Ele era muito mais alto que eu, mas naquele momento
tive a impressão de estarmos tão próximos que eu poderia sentir os seus cílios
se ele piscasse. A sua pele era suave ao toque, e o seu odor, muito agradável.
Mas ele parecia muito homem, muito hábil e forte, muito capaz de me submeter à
sua vontade. Se chegássemos a nos casar, minha vida seria engolida pela sua.
Alice não mais existiria. Queria mandá-lo embora e dizer que não voltasse, mas
ao mesmo tempo desejava que ele se inclinasse para perto de mim e me beijasse
os lábios. Quando esse pensamento me ocorreu, senti-me enrubescer.
Janyn sorriu e por um instante
pareceu um tanto malicioso, o que lhe caía bem. Creio que roubou o meu coração,
Srta. Alice. Rogo que seja gentil com ele. Beijou-me as mãos, uma de cada vez,
e então fez uma reverência e se afastou. Fiquei aterrorizada e agitada. Após a
partida dos nossos convidados, meu pai
perguntou o que eu tinha achado do Sr. Janyn. Hesitei. Ele é tão mais distinto
e experiente do que eu. Um homem tão vivido, comecei. Ah, então ele não a
agradou. Ele meneou a cabeça ao som dos passos de minha mãe, acima no solário.
Ela a envenenou contra ele? Disse alguma coisa antes que ele chegasse? Mas eu gosto dele!,
protestei. No entanto, ele não me pareceu ouvir. Interiormente, continuava a
discussão com minha mãe. Eu ficara exausta pelo esforço de agir como anfitriã
sem uma preparação prévia, e sentia-me como um peão num jogo de xadrez: sem importâcia,
fácil de mover, fácil de perder. Ela não me disse nada após a igreja,
acrescentei, e, murmurando uma desculpa qualquer, fugi para a cozinha à procura
de Nan. Deitada na minha cama naquela noite, eu comparava a minha fantasia da
noite anterior a respeito de como seria a minha
manhã na missa com a experiência efectiva e pensava, com o coração apertado,
que eu acabara de provar o verdadeiro sabor da vida adulta, um sabor amargo,
quando eu o imaginara doce». In Emma
Campion, A Amante do Rei, 2009, tradução de Patrícia Cardoso, Editora Record, 2013,
ISBN 978-850-140-467-1.
Cortesia de ERecord/JDACT