Cortesia
de wikipedia e jdact
Infância
em Coyoacán
«(…) Magdalena Carmen Frida Kahlo y Calderón,
terceira filha de Guillermo e Matilde Kahlo, nasceu em 6 de Julho de 1907, às
oito e meia da manhã, em plena estação das chuvas de Verão, quando o alto planalto
da Cidade do México fica abafado e húmido. Os primeiros dois nomes foram dados
a Frida para que ela pudesse ser baptizada com um nome cristão. O seu terceiro nome,
o que a família usava, significa paz em alemão (embora na sua certidão
de nascimento conste a grafia Frida, o nome da pintora foi escrito com um e
Frieda à moda alemã, até ao final da década de 1930, quando ela abandonou a
letra por causa da ascensão do nazismo na Alemanha). Pouco depois do nascimento
de Frida, sua mãe caiu doente e durante certo período a menina foi amamentada
por uma ama-de-leite indígena. Fui amamentada por uma ama indígena, cujos
peitos eram lavados todas as vezes que me dava de mamar, contou, orgulhosa, a
uma amiga. Anos depois, quando o facto de ter sido alimentada pelo leite de uma
nativa passou a ser crucial para ela, Frida pintou uma tela em que a ama-de-leite
aparece como a personificação da sua herança mexicana, a artista, com as feições
de adulta e corpo de recém-nascida, aparece no colo da nutriz, mamando no seu
seio.
Talvez em virtude da saúde de Matilde Kahlo, ao aproximar-se da
meia-idade, ela começou a sofrer desmaios ou ataques, parecidos aos do marido,
ou talvez por causa do seu temperamento, Frida e a irmã mais nova, Cristina,
eram entregues aos cuidados das irmãs mais velhas, Matilde e Adriana, e, sempre
que estavam em casa, das suas meias-irmãs María Luisa e Margarita, que tinham
sido mandadas para um convento quando seu pai Guillermo se casou de novo.
Três anos após o nascimento de Frida, eclodiu a Revolução
Mexicana, movimento armado que começou com motins em várias partes do país e
com a formação de exércitos de guerrilheiros em Chihuahua (sob a liderança de
Pascual Orozco e Pancho Villa) e em Morelos (sob o comando de Emiliano Zapata);
os conflitos e focos de revolta se estenderiam por dez anos. Em Maio de 1911,
caiu o antigo ditador, Porfirio Díaz, que partiu para o exílio. O líder revolucionário
Francisco Madero foi eleito presidente do país em Outubro de 1912, mas em Fevereiro
de 1913, depois da Dezena Trágica, etapa de dez dias de combates em que tropas antagónicas
no Palácio Nacional e na Ciudadela bombardearam-se mutuamente, causando tremenda
destruição e mortandade, Madero foi traído pelo general Victoriano Huerta e assassinado.
No norte, Venustiano Carranza insurgiu-se para vingar a morte de Madero. Adoptando
o título de Primeiro Chefe do Exército Constitucionalista e contando com um pequeno
contingente à sua disposição, lutou para derrubar Huerta. A cruel disputa de
poder e o inevitável derramamento de sangue só cessariam com a posse do
presidente Álvaro Obregón, um dos generais de Carranza, em Novembro de 1920.
No seu diário, escrito na sua última década de vida e hoje em
exibição no museu que leva seu nome, Frida lembra, com orgulho, e, segundo
muitos suspeitam, com considerável dose de
licença poética, ter testemunhado batalhas entre exércitos revolucionários na
Cidade do México.
Lembro que eu tinha quatro anos [na
verdade, ela tinha cinco], quando se deu a dezena trágica. Testemunhei
com meus próprios olhos a batalha dos camponeses de Zapata contra os
carrancistas. Minha situação era muito clara. Minha mãe abria as janelas na rua
Allende. Ela dava acesso aos zapatistas, de modo que os feridos e famintos
entrassem pelas janelas na minha casa, na sala de estar. Ela cuidava dos
ferimentos e os alimentava com grossas tortillas, a única comida que se conseguia arranjar em
Coyoacán naqueles dias [...] Éramos quatro irmãs: Matita, Adri, eu (Frida) e
Cristi, a gordinha. [...] Em 1914, as balas passavam zunindo. Ainda hoje ouço
aquele som sibilante extraordinário. No tianguis [mercado] de Coyoacán, a propaganda a favor
de Zapata era feita com corridos
[baladas revolucionárias] editados pelo [gravurista e desenhista José
Guadalupe] Posada. Na sexta-feira, essas baladas custavam um centavo cada;
escondidas dentro de um enorme guarda-roupa que cheirava a nogueira, Cristi e
eu as cantávamos, enquanto meu pai e minha mãe ficavam atentos para que não caíssemos
nas mãos dos guerrilheiros. Lembro de um carrancista ferido correndo para o seu
baluarte perto do rio de Coyoacán. Da janela espiei também um zapatista com um
ferimento de bala no joelho, agachado e calçando as sandálias [aqui Frida faz
esboços do carrancista e do zapatista]». In Hayden Herrera, Frida, A Biografia,
1983, tradução de Renato Marques, Editora Globo, 2011, ISBN 978-852-505-353-4.
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