sábado, 8 de fevereiro de 2020

Leonardo da Vinci. Sophie Chauveau. «Os filhos também morrem... Leonardo da Vinci não terá e nunca desejará ter filhos. Nos seus cadernos, declara abertamente o seu horror às mulheres parturientes…»

Cortesia de wikipedia e jdact

1452-1480
«(…) Se as origens da mãe são ignoradas, a família paterna é há dois séculos conhecida e prestigiada em Vinci. Traz o nome das suas terras e, por tradição, forma uma dinastia de notários. Esse ofício consiste então em estabelecer contratos, autenticar actas, mudanças de propriedade, assegurar a função de gerente, conselheiro financeiro e administrador de fortunas. Permite agir por procuração, como mandatário ou supervisor de um comércio. Somente ser Piero, o pai de Leonardo, pratica essa arte. O avô e o seu segundo filho, Francesco, renunciaram a ela para viver felizes sem fazer nada, contentando-se com os seus bens. Só de quando em quando um contrato ou um processo rapidamente despachado força Antonio, o avô, a interromper a sua meditativa partida de gamão. Mas o ritmo é logo retomado. E foi esse velho Antonio que declarou o nascimento do neto com alegria, orgulho e solenidade; foi ele que o fez baptizar na ausência dos genitores e em plena Semana Santa. Neto bastardo, mas acolhido com calor por esse avô, por ser o primeiro neto.
Os historiadores ainda discutem se o nascimento de um bastardo criava ou não um grande problema. Bastardos célebres ilustram a época (Alberti, Bórgia, Lippi...). Mas certamente nunca é simples ser visto ou ver-se como ilegítimo. Apesar disso, tal ilegitimidade assegura a Leonardo uma marginalidade que o ajuda ou mesmo o força a emancipar-se das convenções sociais e familiares, conferindo-lhe uma primeira marca de talento. Da sua diferença, da qual não tarda a ter uma consciência aguda, ele faz uma força.

Quatro anos antes do seu nascimento, o pai, ser Piero, partiu em busca da glória e da fortuna na capital toscana. No ano em que nasce o seu filho natural, ele desposa uma jovem de dezasseis anos, Albiera, bonita e muito bem dotada, que aos poucos será deixada em Vinci na casa do pai. Como não consegue ter filhos, ela transfere seus carinhos a Leonardo, à espera do dia em que terá o seu. Porém, ela morrerá ao chegar esse dia. Teria sido ela que inspirou a inacreditável juventude da Sant’Ana, reflexo das estranhas relações de Leonardo com o trio de mulheres, mãe, avó, madrasta, que cuidam dele? No ano seguinte à morte da sua primeira esposa, ser Piero desposa outra mulher igualmente jovem, igualmente bela e ainda mais rica. Ela também morrerá no parto, impedindo o pai de Leonardo de ter um herdeiro legítimo. Durante 25 anos, o bastardo será o seu filho único. Leonardo terá de se conformar em viver sem os pais, já que ambos não se importam com ele. E, se o pai levou 25 anos até conseguir um herdeiro legítimo, não foi por falta de tentativas. As suas duas primeiras mulheres morreram jovens, no parto. Mas a terceira, quando ele tem mais de cinquenta anos, lhe dá seis filhos. À morte desta, ele desposa uma quarta, que lhe dá outros seis rebentos!
Leonardo vive então a infância cercado de mulheres muito belas e muito jovens às quais prefere não se apegar, pois, assim que engravidam, morrem. Quanto à mãe, a duas colinas de distância da casa do avô, ela vive grávida, entre recém-nascidos ou filhos natimortos, e sob a dominação do marido colérico a quem foi dada. Não é preciso dizer que a criança selvagem constrói uma imagem da maternidade, se não perigosa, na época é comum a morte no parto, ao menos repugnante. Os filhos também morrem... Leonardo da Vinci não terá e nunca desejará ter filhos. Nos seus cadernos, declara abertamente o seu horror às mulheres parturientes, a essas maternidades obscenas, excessivas, assassinas. E o sexo feminino parece um sorvedouro nos seus desenhos pretensamente anatómicos. Como diz André Chastel em seu Traité de peinture, Leonardo da Vinci demonstra uma aversão condoída em relação ao modo de propagação da espécie. Resta, límpida e luminosa, a imagem das mães eternamente jovens. Jovens por toda a eternidade. Ou porque elas morrem antes dos 24 anos, como as suas duas primeiras madrastas, ou porque ele deve brutalmente deixá-las, como deixou a mãe, para fazer a vida na cidade grande, onde recriará livremente nos seus quadros a imagem maravilhosa e definitiva de uma madona de apenas vinte anos». In Sophie Chauveau, Leonardo da Vinci, 2008, L&PM Pocket (colecção Biografias), Editora Gallimard, 2012, ISBN 978-852-542-640-6.

Cortesia de EGallimard/JDACT