Cortesia
de wikipedia e jdact
1452-1480
«(…)
Se as origens da mãe são ignoradas, a família paterna
é há dois séculos conhecida e prestigiada em Vinci. Traz o nome das suas
terras e, por tradição, forma uma dinastia de notários. Esse ofício consiste
então em estabelecer contratos, autenticar actas, mudanças de propriedade,
assegurar a função de gerente, conselheiro financeiro e administrador de fortunas.
Permite agir por procuração, como mandatário ou supervisor de um comércio. Somente
ser Piero, o pai
de Leonardo, pratica essa arte. O avô e o seu segundo filho, Francesco, renunciaram
a ela para viver felizes sem fazer nada, contentando-se com os seus bens. Só de
quando em quando um contrato ou um processo rapidamente despachado força
Antonio, o avô, a interromper a sua meditativa partida de gamão. Mas o ritmo é
logo retomado. E foi esse velho Antonio que declarou o nascimento do neto com
alegria, orgulho e solenidade; foi ele que o fez baptizar na ausência dos
genitores e em plena Semana Santa. Neto bastardo, mas acolhido com calor por
esse avô, por ser o primeiro neto.
Os historiadores
ainda discutem se o nascimento de um bastardo criava ou não um grande problema.
Bastardos célebres ilustram a época (Alberti, Bórgia, Lippi...). Mas certamente
nunca é simples ser visto ou ver-se como ilegítimo. Apesar disso, tal
ilegitimidade assegura a Leonardo uma marginalidade que o ajuda ou mesmo o força
a emancipar-se das convenções sociais e familiares, conferindo-lhe uma primeira
marca de talento. Da sua diferença, da qual não tarda a ter uma consciência
aguda, ele faz uma força.
Quatro anos antes do seu
nascimento, o pai, ser
Piero, partiu em busca da glória e da fortuna na capital toscana. No ano em
que nasce o seu filho natural, ele desposa uma jovem de dezasseis anos,
Albiera, bonita e muito bem dotada, que aos poucos será deixada em Vinci na casa do pai. Como não consegue ter filhos, ela transfere
seus carinhos a Leonardo, à espera do dia em que terá o seu. Porém, ela morrerá
ao chegar esse dia. Teria sido ela que inspirou a inacreditável juventude da Sant’Ana, reflexo das estranhas relações
de Leonardo com o trio de mulheres, mãe, avó, madrasta, que cuidam dele? No ano
seguinte à morte da sua primeira esposa, ser Piero desposa outra mulher igualmente jovem, igualmente
bela e ainda mais rica. Ela também morrerá no parto, impedindo o pai de
Leonardo de ter um herdeiro legítimo. Durante 25 anos, o bastardo será o seu
filho único. Leonardo terá de se conformar em viver sem os pais, já que ambos não
se importam com ele. E, se o pai levou 25 anos até conseguir um herdeiro legítimo,
não foi por falta de tentativas. As suas duas primeiras mulheres morreram
jovens, no parto. Mas a terceira, quando ele tem mais de cinquenta anos, lhe dá
seis filhos. À morte desta, ele desposa uma quarta, que lhe dá outros seis
rebentos!
Leonardo vive então a infância cercado de mulheres muito belas e
muito jovens às quais prefere não se apegar, pois, assim que engravidam,
morrem. Quanto à mãe, a duas colinas de distância da casa do avô, ela vive grávida,
entre recém-nascidos ou filhos natimortos, e sob a dominação do marido colérico
a quem foi dada. Não é preciso dizer que a criança selvagem constrói uma imagem
da maternidade, se não perigosa, na época é comum a morte no parto, ao menos
repugnante. Os filhos também morrem... Leonardo da Vinci não terá e nunca
desejará ter filhos. Nos seus cadernos, declara abertamente o seu horror às
mulheres parturientes, a essas maternidades obscenas, excessivas, assassinas. E
o sexo feminino parece um sorvedouro nos seus desenhos pretensamente anatómicos.
Como diz André Chastel em seu Traité
de peinture, Leonardo da Vinci demonstra uma aversão condoída em
relação ao modo de propagação da espécie. Resta, límpida e luminosa, a imagem
das mães eternamente jovens. Jovens por toda a eternidade. Ou porque elas
morrem antes dos 24 anos, como as suas duas primeiras madrastas, ou porque ele
deve brutalmente deixá-las, como deixou a mãe, para fazer a vida na cidade grande,
onde recriará livremente nos seus quadros a imagem maravilhosa e definitiva de
uma madona de apenas vinte anos». In Sophie Chauveau, Leonardo da Vinci, 2008,
L&PM Pocket (colecção Biografias), Editora Gallimard, 2012, ISBN
978-852-542-640-6.
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