Cortesia
de wikipedia e jdact
O
Primeiro Filho.
Toledo.
Castela. 23 de Agosto de 1489.
O
Filho do Ourives. Dádiva de Deus
«(…) Era muito raro um humilde
sacerdote receber um pacote lacrado da Santa Sé. O bispo-auxiliar, Guillermo
Ramero, que entregou o pacote a Sebastián, sentiu a curiosidade coçar e
esperou, ansioso, que o prior abrisse o pacote e revelasse o seu conteúdo, como
qualquer padre respeitador devia ter feito. Ficou furioso quando o padre
Alvarez se limitou a pegar o pacote e sair. Só quando se viu sozinho no
mosteiro, Sebastián rompeu o lacre com dedos que tremiam. O pacote continha um
documento intitulado Translatio Sanctae Annae. O padre Sebastián sentou-se
numa cadeira e começou a ler com ar vidrado. Logo foi percebendo que era uma
história dos despojos da mãe da Virgem Santíssima. A mãe da Virgem, Chana, a
judia, esposa de Joachim, morrera em Nazaré, onde fora enterrada num sepulcro.
Ela foi venerada desde o início da história cristã. Logo após a sua morte, duas
das suas primas, ambas chamadas Maria, e um parente mais distante, chamado
Maximin, partiram da Terra Santa para difundir o evangelho de Jesus em solo
estrangeiro. Essa disposição missionária foi premiada pela doação de um cofre
de madeira contendo um certo número de relíquias da mãe de Maria Santíssima.
Os três cruzaram o Mediterrâneo e
aportaram em Marselha, onde as duas mulheres se estabeleceram numa aldeia de
pescadores da vizinhança para procurar seguidores. Como a região estava sujeita
a frequentes invasões, Maximin ficou incumbido de levar os ossos sagrados para
um lugar seguro, e assim se dirigiu à vila de Apt, onde os deixou guardados
numa urna. Os ossos ficaram em Apt por centenas de anos. Então, no século VIII,
foram visitados pelo homem chamado pelos soldados de Carolus Magnus, Carlos, o
Grande, rei dos francos, que ficou assombrado ao ler a inscrição na urna: Aqui
jazem os restos mortais de Santa Ana, mãe da Gloriosa Virgem Maria. O rei
guerreiro levantou os ossos do forro meio decomposto sentindo a presença de
Deus, maravilhado por ter nas mãos um liame físico com o próprio Cristo. Presenteou
os amigos mais próximos com uma parte dos ossos e pegou alguns para si, que
mandou para Aix-la-Chapelle. Ordenou também um inventário das relíquias e
enviou uma cópia para o papa, deixando ainda alguns ossos restantes sob a
guarda do bispo de Apt e sucessores. Em 800 d.C, quando décadas de emprego do
seu génio militar já tinham conquistado a Europa Ocidental, Carolus Magnus foi
coroado Carlos Magno, imperador dos romanos, e a imagem paramentada de Santa
Ana se destacava no traje da coroação.
O que ainda sobrara das relíquias
da santa tinha sido removido do sepulcro em Nazaré. Alguma coisa foi guardada
em igrejas de vários países. Três últimos ossos tinham sido postos aos cuidados
do Santo Padre e, por mais de um século, foram conservados nas catacumbas
romanas. No ano de 830, um ladrão de relíquias chamado Duesdona, diácono da
igreja romana, levou a cabo um furto em massa das catacumbas para suprir dois
mosteiros germânicos, em Fulda e em Mulheim. Ele vendeu os despojos de São
Sebastião, São Fabiano, Santo Alexandre, Santa Emerenciana, Santa Felicidade, São
Felicissimus, Santo Urbano, entre outros, mas a sua pilhagem, por algum motivo,
deixou passar os poucos ossos de Santa Ana. Quando as autoridades da Igreja perceberam
a profanação que ocorrera, transferiram os ossos de Santa Ana para um depósito,
onde durante séculos eles se cobriram de pó em segurança. O padre Sebastián era
agora informado que uma dessas três preciosas relíquias lhe seria enviada.
Passou
vinte e quatro horas dando graças de joelhos na capela, de Matina a Matina, sem
comer ou beber. Quando tentou levantar-se já não sentia mais as pernas e foi conduzido
para a sua cela por frades nervosos. Mas finalmente Deus lhe devolveu a energia
e ele levou o Translatio para Juan António e Garci Bórgia.
Convenientemente estupefactos, os dois concordaram em subscrever o custo de um
relicário onde o fragmento de Santa Ana pudesse ser mantido até que se
fabricasse uma urna adequada. Eles passaram em revista os nomes de destacados
artesãos a quem tal tarefa pudesse ser confiada e Juan António acabou sugerindo
que Sebastián encomendasse o relicário a Helkias Toledano, um ourives judeu que
se fizera notar pelos seus padrões criativos e delicada execução». In
Noah Gordon, O Último Judeu, 2000, Uma História de Terror na Inquisição,
Editora Rocco, 2000, ISBN 978-853-251-171-6.
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