Cortesia
de wikipedia e jdact
A
Filha de Isis
O
primeiro pergaminho. Calor. Vento
«(…)
Sem esperar pela resposta, ele deu uma cutucada (toque para chamar a atenção) nas
costelas do seu companheiro. Moram lá, mas precisam trabalhar para o rei.
Quando ele quer saber alguma coisa, digamos, qual a profundidade do Nilo perto
de Mênfis, por exemplo, o rei só precisa chamar alguém que saiba a resposta,
mesmo no meio da noite! Não é verdade? Meleagros ficou rígido; era como se ele
quisesse bater no romano. Não é bem assim, respondeu. É verdade que somos
sustentados pela generosidade da coroa, mas o nosso rei nunca foi tão
indelicado fazendo exigências exorbitantes. De facto, interpôs meu pai. Eu o
chamei aqui para que ele questione você, Varro. Meleagros tem enorme interesse
por plantas e animais incomuns e, pelo que ouvi, muitos de vocês andaram
observando e reunindo espécies perto do Mar Cáspio, depois de afugentar Mitridates,
quero dizer. É verdade, admitiu o romano chamado Varro. Tínhamos esperança de
aprender mais sobre o comércio famoso da Índia através do Mar Cáspio. Mas
Mitridates não foi o único a fugir, nós também, por causa das serpentes venenosas.
Nunca vi tantas serpentes, dos mais diversos tipos. Mas o que se podia esperar
de um lugar à beira do fim do mundo conhecido como aquele...
A geografia é muito interessante,
acrescentou o outro homem, cuja língua era o grego. Alguém o chamou de Teófanes.
Muito difícil de mapear... Vocês têm mapas? Meleagros pareceu interessado. Completamente
novos. Talvez gostasse de vê-los? E assim continuou a conversa educada. O
menino ao meu lado estava quieto. O que veio fazer aqui? O vinho foi distribuído,
e a conversa cresceu em volume, ficou mais animada. Os romanos esqueceram-se de
falar grego e voltaram a conversar em latim. Como soava estranha e monótona se
não se compreendia a língua. E eu não a tinha estudado. Havia pouca razão para sabê-la.
Nada importante fora escrito nela; nenhum discurso famoso ou qualquer coisa
assim. Outras línguas, como o hebreu, o siríaco e o aramaico eram muito mais úteis.
E no momento, eu tinha decidido tentar falar egípcio, para que pudesse
compreender o povo em qualquer lugar no meu país. Mas latim? Mais tarde,
talvez.
Fiquei olhando as minhas irmãs, que
mal continham o desprezo pelos romanos; quando a conversa mudou para o latim,
Berenice e Cleópatra reviraram os olhos. Isto me preocupava; e se os romanos as
vissem assim? Pensei que devíamos ter cuidado para não ofendê-los. De repente,
as trombetas soaram e uma multidão de servidores apareceu, como se saíssem das
paredes, e levaram os cálices de ouro embora, trocando-os por outros cálices de
ouro, ainda mais decorados e cobertos de pedras preciosas do que os primeiros.
Os romanos simplesmente ficaram boquiabertos, o que imaginei ser exactamente o
efeito desejado. Mas para quê? Porque o pai estava tão ansioso em mostrar a nossa
riqueza? Será que isto não os faria ainda mais desejosos de abocanhá-la? Isto
me deixava confusa. Vi Pompeu olhando com uma expressão sonhadora para o cálice
à sua frente, como se o imaginasse sendo derretido.
Então ouvi o nome de César, junto
com algo a ver com ganância e necessidade de dinheiro. Parece que ouvi Pompeu
dizer para o pai, fiz um esforço grande para ouvir - que César (quem quer que fosse
ele) queria tomar o Egipto e anexá-lo a Roma como província, já que o Egipto
tinha sido deixado para Roma num testamento... O testamento era falso, ouvi o pai
dizer e a sua voz soou tão fina como a de um eunuco. Ptolomeu Alexandre não
tinha o direito de fazer tal doação... Ha, ha, ha! Pompeu riu. Isto depende de
quem o interpreta... Então, você quer ser um cientista também? Teófanes
perguntou educadamente ao menino ao meu lado. É por isso que está aqui com o seu
pai? Maldição! Agora não dava mais para eu ouvir o que meu pai e Pompeu diziam,
e era tão importante. Tentei bloquear as vozes ao meu lado, mas era inútil. Não,
o menino respondeu, sua voz afogando as vozes mais distantes. Embora tenha
interesse em botânica e no mundo animal, meu interesse maior é pelo mais
complexo dos animais: o homem. Quero estudá-lo, por isso vou ser um médico.
Como
se chama? Teófanes perguntou como se estivesse realmente interessado. E que
idade tem? Olímpio, respondeu. Tenho nove anos. Vou fazer dez no próximo Verão.
Fique quieto! Mandei no meu pensamento. Mas Teófanes continuou fazendo
perguntas. Ele morava no Museion também? Estava interessado num tipo particular
de medicina? Que tal pharmakon, drogas? Esta é uma maneira de combinar o
conhecimento de drogas com a medicina. Sim, claro, Olímpio dizia. Gostaria de
perguntar a vocês sobre o mel louco. Foi para isso que vim aqui esta noite.
Ou convenci meu pai a me trazer, para ser exacto. Teófanes parou de sorrir». In
Margaret George, As Memórias de Cleópatra, 1997, tradução de Lídia Zanon,
Geração Editorial, 2000-2001, Edições Chá das Cinco, 2007, IBSN-
978-989-803-200-3.
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