jdact
A Guerra da Restauração
«(…) O rei João IV foi aclamado no dia 15 de Dezembro, abrindo a
dinastia de Bragança. Foi notável o seu papel ao longo de dezasseis anos, pois soube
manifestar uma prudência, muitas vezes concretizada em firmeza, que assegurou o
triunfo da causa que nele se personificou. Muitos autores viram em João IV um
tímido que apenas teria aceite a coroa por influência da duquesa dona Luísa Gusmão.
As hesitações do marido teria ela respondido com a frase que a história
celebrizou: antes rainha uma hora do que duquesa toda a vida. Mas esta versão
da historiografia liberal, com o evidente fim de diminuir o papel de João IV, não
merece hoje crédito, ainda que seja um facto a determinação que dona Luísa
Gusmão pôs no movimento. Sendo oriunda da casa ducal de Medina Sidónia, poderia
a rainha hesitar na grave opção ou aconselhar prudência ao régio consorte. Pelo
contrário, deu o seu caloroso apoio à Restauração, unindo-se pelo espírito ao
seu país adoptivo. Quanto ao monarca, soube estar à altura da confiança que
nele depositaram os conjurados, identificando-se com os ideais da pátria que
assim se tornava novamente senhora do seu destino.
Todo o Reino colaborou no grandioso esforço de que João IV foi o
símbolo. Nas Cortes de 1641-1642 exigiram-se novas contribuições em dinheiro,
que os três estados aceitaram. As cidades e vilas não olharam a sacrifícios
para que a Nação pudesse vencer a grave ameaça. Mas de início não foi total a adesão
ao novo monarca, pois nos meados de 1641 descobriu-se uma conjura para o
assassinar. Eram seus cabecilhas o arcebispo de Braga, o inquisidor-mor, Francisco
Castro, o conde de Armamar, o marquês de Vila Real e, sem provas de colaboração,
seu filho, o duque de Caminha. Influenciados por alguns dos seus familiares que
viviam em Madrid, deixaram-se arrastar para uma aventura contrária ao rumo
natural da Restauração.
A diplomacia de Filipe IV fizera correr na Europa que João IV era rebelde,
pelo que teria de sofrer o castigo da traição obrada contra a realeza filipina.
Esta versão conquistou muitos exilados que em Espanha se opunham à Restauração.
Descoberta a conjura, o monarca tornou-se implacável com os seus inimigos.
Pagaram estes com a vida o crime de lesa-majestade em que se deixaram envolver.
O jovem Miguel Noronha, duque de Caminha, sem ligação directa na revolta,
sofreu as consequências de não haver denunciado o progenitor. O arcebispo
bracarense e o inquisidor-mor foram presos na Torre de Belém, onde o primeiro veio
a falecer e o segundo, em 1643, a ser perdoado. Por mais alta que fosse a
progénie dos acusados, não podia ser diferente a reacção da coroa, a fim de pôr
termo a outras tentativas que pretendessem enfraquecer o ideal da Restauração.
A hora era de sacrifícios para o Reino e havia que assumi-los por inteiro.
Guerra e diplomacia
A defesa da Restauração orientou-se em dois grandes sentidos: a protecção
militar das fronteiras e o envio de embaixadores para as principais cortes
europeias. Por um lado, impunha-se reparar os castelos, organizar as tropas e
obter armas para enfrentar a iminente invasão do País. Por outro lado, carecia João
IV do reconhecimento das outras nações, solicitando os inimigos da Espanha
(como a França e os Países Baixos) para a assinatura de tratados de comércio e
de amizade. Tão importante como o papel dos militares foi o dos diplomatas,
que, em circunstâncias muitas vezes adversas, sustentaram nas capitais da Europa
os direitos da Casa de Bragança ao trono. A primeira grande acção militar da
Espanha traduziu-se numa vitória para Portugal. Foi o caso de, na Primavera de
1644, se ter concentrado em Badajoz um forte exército para invadir o nosso
país. Ao mal sucedido ataque contra Guguela respondeu Matias Albuquerque com
uma incursão na Estremadura espanhola que devastou terras e obteve valiosas
presas. No prosseguimento dessa ofensiva, Albuquerque derrotou o exército
castelhano junto ao Montijo, a cinco léguas da fronteira, no dia do Corpo de
Deus de 1644. Antes da batalha, o general exortou as tropas a cumprir o seu
dever: no sucesso de hoje consiste a conservação de nossas vidas, a liberdade
da nossa Pátria e a opinião da nossa monarquia. [...] A pelejar, valorosos portugueses,
que o inimigo vem chegando! A pelejar, que é o mesmo que mandar-vos a vencer». In
Joaquim Veríssimo Serrão, O Tempo dos Filipes em Portugal e no Brasil
(1580-1668), Edições Colibri, Estudos Históricos, Lisboa, 1994, ISBN
972-8047-58-4.
Cortesia de Colibri/JDACT