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Defesa da Sociedade
«(…) É significativa expressão desse fenómeno a intensificação do
movimento jornalístico, em que sobressai o aparecimento dos primeiros diários
(num só dia, 1 de Setembro de 1809, foram fundados três). A liberdade então dada
aos jornais, nestas circunstâncias nacionais e internacionais, abriram na imprensa
periódica um debate novo, o que não pode ser explicado, pois, apenas pelas
dificuldades dantes impostas pela censura e interrompidas nesse período, mas,
sobretudo, pela circunstância de a questão do regime político não ter constituído,
até aí, como passou a ser, preocupação dominante das camadas sociais
medianamente informadas.
A sociedade, em geral, impregnava-se mais densamente de preocupação
política, correspondente, também, à gravidade dos problemas que o país
atravessava: era o rei ausente, a pesada influência dos ingleses no Exército e
no Governo, as novas leis de recrutamento (Beresford), o envolvimento de tropas
expedicionárias portuguesas no Rio da Prata, a incapacidade do Governo de tomar
medidas eficazes contra a crise económica e financeira, a consciência, que se
alargara, de que para a solução dos problemas agudos do Reino era necessária
uma mudança política como acontecia em Espanha.
No centro do debate, a opção: Monarquia Constitucional ou Absoluta. Pois
mesmo a maior parte dos que diziam contentar-se com a convocação de Cortes
segundo o modelo tradicional pensavam que tal processo político, uma vez
desencadeado, iria conduzir à inevitável convocação de Cortes novas.
E havia ainda um valor novo, que nascera com as lutas de 1808-1810: a
noção do alcance político da intervenção popular e de como era temida pelas
autoridades e repudiada pela inteligentzia liberal, que via nela a fatal
oclocracia. O Poder, porém, não estava preparado para esta luta política: nem quanto
a apetrechamento ideológico nem a mecanismos de intervenção. A medida mais
pronta utilizada, o invento de uma conspiração para esconjurar os alegados
perigos, a Setembrizada (10 para 11 de Setembro de 1810), mostrava a
consciência que o Governo tinha da sua própria debilidade. O que era ainda
reforçado pelos limites estreitos e os rigores da Censura impostos aos jornais,
contrastantes com a relativa tolerância durante as Invasões.
Dois aspectos ressaltam aqui com maior nitidez. Por um lado, torna-se
evidente que o maior cuidado era posto, além dos pasquins, nos impressos que
mais ampla divulgação tinham, designadamente folhetos e jornais. Aqueles que se
dirigiam a um público erudito não vemos sofrerem restrições. Aconteceu até o
aparente absurdo de as peças da mais importante polémica que então se travou, no
plano político-jurídico, sobre os direitos senhoriais, entre Manuel Almeida Sousa,
e Manuel Fernandes Tomás terem saído da Impressão Régia e da Real Imprensa da
Universidade de Coimbra». In José Tengarrinha, Da Liberdade Mitificada
à Liberdade Subvertida, Uma Exploração no Interior da Repressão à Imprensa
Periódica de 1820 a 1828, Edições Colibri, Lisboa, 1993, ISBN 972-8047-29-0.
Cortesia de Colibri/JDACT