Cortesia
de wikipedia e jdact
Imperatriz
Perfeitíssima 1503-1539
«Um
olhar demorado sobre o quadro de Ticiano, existente no museu do Prado,
representando com mestria o rosto da imperatriz Isabel, apreende de imediato
uma sensação de extrema suavidade. Vemos um rosto ligeiramente oblongo encimado
por testa alta e cabelos levemente frisados, ornados de caprichosas tranças,
que emolduram uma pele clara e acetinada. O nariz é recto e perfeito. A boca é
de desenho correcto, pequeno e quase infantil; os lábios cheios parecem
transmitir uma extraordinária doçura, como se daquela boca só pudessem sair sons
muito agradáveis e palavras calmas de leveza e candura. O queixo, levemente
arredondado, completa uma imagem de beleza inquestionável e que idealiza
pureza. Mas onde os nossos olhos, necessariamente se demoram, é no olhar da
rainha. É um olhar de distância, como se não fixasse qualquer pormenor, antes
abrangesse horizontes inteiros de uma paz interior sem mácula. Os olhos de dona
Isabel de Portugal penetram no nosso íntimo como uma mensagem de profunda
suavidade, e o claro brilho que transmitem trai uma alma singela, talvez quase
triste, mas em que se adivinha, além de tudo, uma profunda e cativante ternura.
É um olhar desprendido que nos prende fundo até ao âmago.
Esta magnífica representação
pictórica da imperatriz foi encomendada por Carlos V a Ticiano, após a morte da
sua adorada esposa, companheira e colaboradora. O célebre artista do
renascimento, que nunca terá visto a mulher considerada a mais bela do seu
tempo, pintou dois quadros póstumos com base em quadros ou medalhões de
outros autores, seguindo, ainda, as detalhadas indicações fornecidas pelo
amargurado imperador que pretendeu imortalizar na materialidade de uma pintura a
representação afectiva da mulher da sua vida. Os artistas que fixaram, em
vários suportes materiais, a imagem de Isabel de Portugal construíram uma
memória de afectividade, presente igualmente em toda a literatura que a dona Isabel
se refere: sejam as fontes coevas, as páginas ficcionadas por autores
românticos, ou as da historiografia a ela dedicadas por historiadores
espanhóis, nomeadamente a obra clássica de Maria del Cármen Mazario Coleto
(D. Isabel de Portugal, Emperatriz y Reina de España, Madrid, 1951) e a síntese
mais recente de António Villacorta (La emperatriz Isabel, Madrid, 2009).
O tempo em que a infanta Isabel nasceu e
cresceu
Os
anos de viragem do século XV para o século XVI foram um tempo auspicioso para
Portugal, sendo os portugueses protagonistas de grandes feitos. Na verdade, foi
no reinado de Manuel I que se operou a abertura do mundo e se delinearam os
eixos centrais do Império Português: abriu-se o caminho marítimo para a Índia e
ocorreu o achamento do Brasil. A dimensão dos domínios portugueses inscreve-se
na majestática intitulação do monarca: Manuel I por graça de Deus rei de
Portugal e dos Algarves, d’ aquém de d’ além-mar em África, Senhor da Guiné e
da conquista, navegação e comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia. Lisboa
tornara-se cabeça de um império e de uma economia mundial, contando, em 1528,
com 70 mil habitantes. O Reino era habitado um milhão de almas.
A capital portuguesa tornara-se
terra de destino de muitas e variadas gentes. Ao cheiro das especiarias
despovoava-se o Reino. O centro político do país, situado no extremo ocidental
da Europa, atraía igualmente mercadores vindos de diversas partes interessados
nos produtos que os bravos marinheiros, celebrados por Camões, traziam de
longínquas paragens: madeiras, plantas e animais exóticos, tecidos e porcelanas
finíssimas, ouro, especiarias e outras preciosidades. Por sua vez, o porto de
Lisboa funcionava como uma placa giratória aonde chegavam e donde partiam
mercadorias para as feitorias do Norte da Europa. Manuel I soube construir e
consolidar, de forma hábil e eficaz, a imagem de um poderoso monarca do mundo.
A imponente embaixada enviada ao papa Leão X, que levou a Roma preciosidades
exóticas, constituiu uma estratégia eficaz para o reconhecimento do domínio português
sobre as terras conquistadas, projectando igualmente a representação de um rei
que tinha o sonho de construir o império universal da fé cristã. Sendo
pioneiros na aventura dos descobrimentos, os portugueses não estavam sozinhos
na descoberta dos mares. Na vizinha Castela, conquistadores espanhóis,
liderados pelos Reis Católicos, Fernando e Isabel, prosseguiam os mesmos objectivos
de expansão pelo mundo. Em 1492, Colombo chega à América central, pensando ter
atingido as Índias. Entretanto, descobridores castelhanos prosseguiam as suas
conquistas em direcção à América do Sul. Neste contexto, tornava-se urgente
demarcar as fronteiras entre os territórios portugueses e espanhóis no
além-mar. A prudência, iluminada pela memória trágica das guerras entre os
reinos vizinhos ocorridos em finais do século XIV, aconselhava a via da
negociação, que se consagrasse num acordo definidor da partilha do mundo entre
os monarcas ibéricos». In Margarida Sobral Neto, Dona Isabel de
Portugal, Editora QuidNovi, 2011, ISBN 978-989-554-799-9.
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