terça-feira, 14 de abril de 2020

Episódios da Monarquia Portuguesa. João Paulo Oliveira Costa. «… as cortes de 1254 devem ser vistas como o momento da consagração definitiva dos órgãos municipais como participantes activos na definição do país»

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1253, Maio, 20. O Rei Bígamo
«(…) Consolidada a sua vitória, pacificado o reino, Afonso III tinha de acautelar a sucessão e a 20 de Maio de 1253 tomou por esposa, em Chaves, dona Beatriz, filha bastarda do rei Afonso X de Castela. À luz da Igreja e dos ditames da sociedade, el-rei de Portugal tornava-se bígamo, o que nunca sucedeu, nem antes nem depois. A esposa, porém, tinha apenas 9 anos, pelo que a sua entrega à corte portuguesa tinha uma leitura política, mas retardava a questão da sucessão para a idade núbil da nova rainha. Talvez Afonso III esperasse que o tempo resolvesse o seu problema, tendo em conta a idade avançada da sua primeira esposa, No entanto, Matilde não se resignou; pelo contrário, protestou e apelou à Santa Sé. A cúria romana deu razão à queixosa e em Maio de 1255 convocou o rei para se apresentar no prazo de quatro meses, a fim de explicar a sua conduta. O rei não acarou a chamada e o papado lançou o interdito sobre o reino de Portugal, que se prolongaria até 1262.
O casamento d'el-rei Afonso III com dona Beatriz terá sido consumado por Maio de 1258, quando a rainha perfez 14 anos de idade, e logo mostrou provas de fertilidade, dando à luz a infanta dona Branca a 28 de Fevereiro de 1259. No mês seguinte, chegava a notícia do falecimento da velha Matilde, e Afonso III deixou de ser bígamo, embora tenha tardado a restabelecer a concórdia com a Igreja.

1254, Fevereiro/Março. As Primeiras Cortes Gerais
A Reconquista foi concluída pouco antes e o reino buscava a pacificação, depois dos anos turbulentos do reinado de Sancho I1. Coube a Afonso III iniciar a consolidação do reino, numa época em que a fronteira com Castela ainda era instável e que a própria questão da soberania do Algarve tardava em ser solucionada. E neste tempo o comércio externo era ainda incipiente. Tendo governado um condado à beira do Atlântico, o monarca compreendera a importância do comércio marítimo e procurou promover as exportações pela via marítima, como via para diversificar os mercados e diminuir os constrangimentos a que estavam sempre sujeitos os negócios internacionais realizados por terra.
Dentre as medidas emblemáticas do novo rei conta-se a admissão de representantes dos concelhos às reuniões das cortes. Desde o tempo de Afonso Henriques que a Coroa ia reforçando a autonomia de vilas e cidades pela concessão de cartas, de foral. A outorga de liberdades aos núcleos populacionais era um dos meios que os reis usavam para criar novas localidades ou reforçar as existentes, com a finalidade de povoar o reino de forma sustentada. Há muito que os reis ouviam o conselho da nobreza e do clero, pelo que a abertura das cortes aos representantes do povo é muito significativa: aumentava a coesão do reino, proporcionava um contacto mais directo entre o monarca e o terceiro estado e reconhecia ao povo o direito de fazer propostas sobre a vida comum e de se queixar dos abusos de que poderia ser vítima. O fortalecimento dos concelhos sempre foi entendido como uma forma de minorar o poder da nobreza e, consequentemente, de aumentar o da Coroa.
No início de 1254 dveram lugar as cortes de Leiria, que são as primeiras em que está documentada inequivocamente a participação de representantes dos concelhos; talvez já tivessem estado presentes nas que se reuniram em Guimarães no ano de 1250, mas as de Leiria marcam a consagração do poder desta assembleia para matérias financeiras, como a desvalorização da moeda e o lançamento de impostos. A força e a representatividade dos concelhos perdurou até aos nossos dias como um elemento estruturante do país; as cortes de 1254 devem ser vistas como o momento da consagração definitiva dos órgãos municipais como participantes activos na definição do país». In João Paulo Oliveira Costa, Episódios da Monarquia Portuguesa, Círculo de Leitores, Temas e Debates, 2013, ISBN 978-989-644-248-4.

Cortesia de CL/TDebates/JDACT