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Recostou-se e ficou à espera que o telefone deixasse de tocar, com os músculos das
costas e das pernas agradavelmente doridos pelos esforços da noite anterior. Pegou
na bola de massagem que estava sobre a secretária e começou a espremê-la num movimento
de rotina tão familiar que já se tinha tornado quase instintivo. Mais cinco minutos
e o programa estaria terminado. Quando isso acontecesse, podiam protestar à vontade.
Margo sabia perfeitamente o que implicavam as novas políticas de cortes
orçamentais que exigiam que os trabalhos mais complexos fossem sempre submetidos
a uma aprovação prévia. Por outras palavras: isso significava uma quantidade
enorme de e-mails, antes que ela pudesse iniciar qualquer tipo de programa. Mas
a verdade é que precisava já dos resultados. Na Universidade de Colúmbia, onde tinha
leccionado antes de vir trabalhar para o Museu de História Natural de Nova
Iorque como curadora, não costumavam haver tantos cortes orçamentais. E quanto mais
o museu se metia em problemas financeiros, mais parecia confiar no fogo-de-vista
em vez da substância. Margo já tinha notado como as coisas estavam a complicar-se
em antecipação da grande exposição do ano, As Pragas do Século XXI.
Deitou uma vista de olhos ao ecrã,
voltou a poisar a bola de exercício, meteu a mão ao saco e retirou um exemplar do
New York Post. O Post, acompanhado por uma taça de café do Kilimanjaro, tinha-se
tornado no ritual de todas as manhãs de trabalho. Havia qualquer coisa de
refrescante na atitude truculenta do Post, como a daquele puto gordo nos Pickwick
Papers. Além disso, sabia que o seu amigo Bill Smithback lhe haveria de dizer das
boas se alguma vez viesse a descobrir que lhe tinha escapado um dos seus artigos
sobre homicídios. Espalmou o tablóide sobre os joelhos, sem conseguir conter um
sorriso com o que diziam os cabeçalhos. Eram Posteanos puros e duros, com um
título a vermelho a encher três quartos da página:
Cadáver nos Esgotos Identificado como
sendo a Debutante Desaparecida
Margo leu o primeiro parágrafo.
Notava-se à légua que só poderia ter sido escrito pelo Smith. Este era o segundo
artigo a aparecer este mês na primeira página. Graças a ele, Smithback ainda
haveria de ficar mais pomposo e insuportável do que o costume, impossível de se
aturar. Passou os olhos em diagonal pelo artigo. O estilo era tipicamente smithoniano:
sensacionalista e macabro, repleto de pormenores sinistros. Logo nos primeiros parágrafos
resumia todos os factos bem conhecidos dos nova-iorquinos. A linda herdeira Pamela
Wisher, famosa pelos seus devaneios nocturnos pelos clubes da moda, tinha desaparecido
há quatro meses da cave de um deles, em Central Park South. Desde então, as autoridades
espalharam cartazes com a fotografia do seu rosto sorridente, dentes rutilantes,
inexpressivos olhos azuis e cabelos loiros penteados a preceito, em tudo o que era
rua, desde a Rua 57, à 96. Margo já tinha passado várias vezes pela fotocópia colorida
da Wisher enquanto fazia joggins, vinda do seu apartamento na Avenida West End em
direcção ao museu.
Finalmente, anunciava o artigo num
tom afogueado os restos mortais encontrados no dia anterior, enterrados nas águas
do esgoto de Humboldt Kill, num abraço ósseo com um outro esqueleto, tinham sido
identificados como pertencentes a Pamela Wisher. O segundo esqueleto ainda estava
por identificar. Uma fotografia adjunta mostrava o namorado da Wisher, o jovem visconde
Adair, sentado à entrada do Platypus Lounge, com a cabeça entre as mãos, minutos
depois de lhe terem dado conhecimento do triste fim da noiva. A polícia, claro,
andava a tomar medidas rigorosas. Smithback terminava o artigo com várias citações
de transeuntes, do género espero-que-fritem-o-cab…-que-lhe-fez-isto!
Margo poisou o jornal, enquanto se
recordava da fotografia granulada do rosto de Pamela Wisher a observá-la de um dos
numerosos cartazes. A miúda merecia uma sorte melhor do que transformar-se na
grande notícia deste Verão». In Douglas Preston & Lincoln Child, Relicário,
1997, Edições Saída de Emergência, 2009, ISBN 978-989-637-126-5.
Cortesia de ESEmergência/JDACT