Cortesia
de wikipedia e jdact
«(…) O que explica por que não
sabe os factos da vida. Mas não vejo porque razão o pai não possa obrigá-la. Parece
que ele prometeu uma vez que nunca a obrigaria a desposar alguém que odiasse,
disse o escudeiro. Uma promessa tola!, exclamou Tom, furioso. Como um homem poderoso
poderia se prender ao capricho de uma garota daquele modo? O casamento dela
poderia afectar alianças militares, as finanças baroniais..., e até mesmo a
construção desta casa. Ela tem um irmão, comentou o escudeiro, de modo que não
é tão importante com quem se case. Mesmo assim... E o conde é um homem
inflexível, prosseguiu o escudeiro. Não deixará de cumprir uma promessa, mesmo
que tenha sido feita a uma criança. Ele deu de ombros. Pelo menos é o que
dizem. Tom olhou para as paredes de pedra, ainda baixas, da casa em construção.
Até agora não economizara dinheiro bastante para manter a família no Inverno,
pensou com um calafrio. Talvez o rapaz encontre outra moça para compartilhar
esta casa com ele. Tem todo o condado para escolher. Por Cristo, acho que é ele,
disse Alfred, na sua voz dissonante de adolescente.
Seguindo o olhar do rapaz, todos
se voltaram para o campo. Um cavalo vinha da aldeia a galope, levantando uma
nuvem de pó e terra. O assombro de Alfred era justificado tanto pelo tamanho
quanto pela velocidade do cavalo. Tom já vira animais assim, mas o garoto
possivelmente não. Era um cavalo de batalha, com o lombo tão alto quanto o
queixo de um homem e a largura proporcional. Aqueles cavalos de batalha não
eram criados na Inglaterra; vinham do além-mar e eram extremamente caros. O
construtor deixou cair o resto do pão no bolso do avental, semicerrou os olhos
para se proteger do sol e se virou para o campo. O cavalo estava com as orelhas
viradas para trás e as narinas dilatadas, mas pareceu a Tom que sua cabeça
estava bem erguida, sinal de que o cavaleiro não perdera totalmente o controle.
Na verdade, quando se aproximou mais, o cavaleiro inclinou o tronco para trás e
puxou as rédeas, e o grande animal pareceu reduzir um pouco a velocidade. Tom
podia sentir agora o martelar dos cascos no solo, sob seus pés. Virou-se para
Martha, pensando em pegá-la e pô-la a salvo. A mãe teve a mesma ideia. A
menina, porém não estava à vista em parte alguma. No trigal, disse Agnes, mas
Tom já pensara nisso e estava atravessando o terreno da casa em largas
passadas. Esquadrinhou o trigo ondulante com medo no coração, mas não conseguiu
ver a criança.
A única coisa em que pôde pensar
foi tentar reduzir a velocidade do cavalo. Passou para a trilha e começou a
caminhar na direcção do animal desembestado, com os braços abertos. O cavalo o
viu, ergueu a cabeça para olhar melhor, e reduziu sensivelmente o ritmo do
galope. Então, para horror de Tom, o cavaleiro o esporeou. Seu maldito tolo!,
berrou Tom, embora o cavaleiro não pudesse ouvi-lo. Foi quando Martha saiu do
meio do trigal e apareceu na trilha, a alguns metros de Tom. Por um momento ele
ficou imóvel, em pânico. Depois se atirou para a frente, gritando e sacudindo
os braços, mas aquele era um cavalo de batalha, treinado para acometer hordas
ululantes, e nem vacilou. Martha ficou no meio da trilha estreita, olhando
espantada, imóvel, para o animal imenso que se lançava sobre ela. Houve um
momento em que Tom percebeu, com desespero, que não poderia alcançá-la antes do
cavalo. Ele se desviou para um lado, o braço tocando no trigo alto; no último
instante o cavalo desviou-se para o outro lado. Um dos estribos chegou a roçar
o cabelo fino de Martha; um casco deixou um buraco redondo no chão, junto do
seu pezinho descalço; aí ele seguiu, atirando terra em ambos, e Tom pegou-a e
apertou-a contra o peito palpitante.
Ficou imóvel por um momento,
esmagado pelo alívio imenso, os membros fracos, interiormente arrasado. Aí então
sentiu uma onda de ódio contra a irresponsabilidade daquele jovem estúpido no
seu enorme cavalo de batalha. Ergueu os olhos, furioso. Lorde William estava
parando o animal agora, sentado na sela com o tronco para trás, as pernas
esticadas para a frente, puxando as rédeas. O cavalo desviou-se do local da
obra. Sacudiu a cabeça e empinou, mas William permaneceu montado. E reduziu a
velocidade para meio galope e depois trote, enquanto o conduzia numa volta
larga. Martha estava chorando. Tom entregou-a a Agnes e esperou por William. O
jovem lorde era um sujeito alto e vigoroso, de cerca de vinte anos; tinha
cabelo louro e olhos acanhados que faziam com que parecesse estar sempre
fitando o sol. Usava uma túnica preta escura, calções justos também pretos e
sapatos de couro com tiras entrecruzadas até os joelhos. Estava bem sentado na
sela e não parecia nem um pouco perturbado com o que acontecera. O garoto bobo
nem mesmo sabe o que fez, pensou Tom amargamente. Eu gostaria de torcer-lhe o
pescoço. William parou o cavalo em frente à pilha de madeira e olhou para os operários.
Quem é o encarregado aqui?, perguntou». In Ken Follett, Os Pilares da Terra, 1989,
Editorial Presença, 2007, ISBN 978-972-233-788-5.
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