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e cortesia de wikipedia
«O
príncipe das trevas é um cavalheiro». In Shakespeare
Abandonada.
Ninive, norte do Iraque
«(…) As coisas estão-se
tornando imprevisíveis. Tire o seu lindo traseiro daí do jeito que puder. E
quero conversar com você logo que chegar. Fui claro? Ela tentou discutir com
ele e conseguir mais tempo, mas ele desligou antes que ela pudesse apresentar
as suas razões. Quando voltasse, ele faria com que ela se cansasse de ouvir os
seus eu bem que avisei, devia demiti-la, até não poder mais. Isso se
conseguisse voltar. Cotten arrepiou-se. Estava encalhada, e congelando, no meio
do deserto iraquiano.
Charles
Sinclair olhou da janela do escritório para o campus que se descortinava ao redor dos laboratórios
da BioGentec vizinho à University of New Orleans. O azul do lago Pontchartrain
estendia-se à sua frente. Ele observou o pequeno exército de jardineiros com as
suas ceifadeiras e os carrinhos de apoio dos jogadores de golfe que cruzavam o relvado
entre os jardins, todos impecavelmente aparados e em perfeita ordem. Ele
gostava de tudo em perfeita ordem. O telefone tocou sobre a escrivaninha e ele
teve um sobressalto, espirrando algumas gotas do café descafeinado sobre o
tapete persa. Sim? Doutor Sinclair, uma ligação internacional na linha oito
para o senhor, informou a voz da secretária. Sinclair apertou o botão piscante.
Não atenderia essa ligação no viva-voz. Fala Sinclair. O ruído da ligação o aborreceu enquanto
apertava o fone firmemente contra a orelha. Descobrimos a entrada da cripta
anteontem, informou uma voz de homem do outro lado da linha. Hoje, no final da
tarde, ela foi aberta. Os nós dos dedos de Sinclair ficaram lívidos de tanto
que ele apertou o receptor do telefone. Ahmed, espero que tenha boas notícias. Fez
uma pausa. Tenho, sim. Está tudo como o Archer previu. O que vocês encontraram?
Muitos artefactos com os ossos, prosseguiu Ahmed. Uma armadura, quinquilharias
religiosas, alguns rolos de pergaminho e uma caixa.
A adrenalina fluiu pelo corpo de Sinclair fazendo as pontas
dos dedos latejarem. Como é essa caixa? Preta, sem inscrições, com uns quinze
centímetros de cada lado. A transpiração humedecia o colarinho branco da camisa
cara de Sinclair. O intervalo da conversa foi preenchido pela estática antes
que voltasse a falar. E o que há dentro dela? Ainda não sei. Como assim? Você
estava lá, não estava? Archer não a abriu. Ele e os outros estão fazendo as
malas para ir embora neste exacto momento. Devemos sair daqui..., a área ficou
perigosa demais. Todos estão muito nervosos. Não há tempo para examinar... Não!
Sinclair apertou a base do nariz. Você vai lá agora mesmo e pega a caixa.
Espero que Archer tenha mostrado como abri-la. Volte a me ligar assim que confirmar
o que há dentro dela e estiver com ela em segurança nas suas mãos. Entendeu o
que eu disse? Entendi. A voz de Ahmed sumiu em meio à estática. Ahmed,
prosseguiu Sinclair, mantendo a voz baixa e controlada, é imprescindível que conclua
a sua missão. Não preciso repetir isso outra vez. Entendi. Sinclair desligou o
telefone e ficou olhando para o aparelho. O árabe não poderia nem sequer
começar a entender.
A
Cripta
De repente, o ruído de um veículo se aproximando chamou a
atenção de Cotten. A luz dos faróis boiou à distância na estrada irregular. Até
que enfim, ela pensou. Mas, e se fossem soldados iraquianos? Ela se virou sobre
o ombro empoeirado e sentiu a palpitação na garganta. Finalmente, quando o
veículo se aproximou o bastante, deduziu pelas luzes da cabine e da carroceria
que se tratava de um caminhão-tanque. Adiantou-se alguns passos, acenando
freneticamente com as mãos, mas o veículo não diminuiu a marcha. Protegendo os
olhos da areia e do cascalho levantados quando o caminhão passou rugindo a toda
velocidade, Cotten observou-o distanciar-se com a mesma rapidez com que havia
surgido. Provavelmente, não era muito sensato ficar acenando na estrada para
qualquer um que passasse. Sem falar do estado de espírito de qualquer iraquiano
naquele momento. O mais seguro para ela seria ficar fora das vistas e manter a
distância necessária até o dia amanhecer. Depois de uma hora de caminhada,
Cotten deixou as bolsas caírem pesadamente no chão e sentou-se sobre uma delas.
Os braços doíam com o peso da bagagem e o corpo tremia cada vez mais por causa
do frio que se infiltrava pelo casaco. Quando voltasse para os Estados Unidos,
passaria um bom período de folga na Flórida. Isso era uma promessa. Cotten
esvaziou uma das sacolas, jogando fora tudo o que não lhe faria falta. Enquanto
organizava os pertences, imaginou-se ir para o Iraque: tinha sido uma ideia
inteligente. Talvez tivesse sido uma tolice. Não tinha pensado direito no
assunto, e então, quando Casselman protestou, ela manifestou uma das suas
atitudes triunfantes. Poderia ter assumido outras reportagens, de igual
importância, que também a levariam para longe de Thornton.
Droga,
droga, droga,
gemeu, separando apenas o essencial: carteira, passaporte e credenciais de
jornalista, juntamente com a câmera fotográfica, lentes, filmes e a embalagem
plástica de filme com o dinheiro para uma emergência. Guardou tudo na
outra sacola com as
videocassetes. Depois de uma última olhada por sobre o ombro para a pilha de
pertences deixados para trás, retomou a penosa caminhada. A Lua surgiu e
clareou o deserto com luz suficiente para que continuasse enxergando a estrada.
Ela desejou o conforto do sofá de casa, uma xícara de café quente ou,
melhor ainda, uma dose de vodka com algumas pedras de gelo. De repente, parou e
piscou várias vezes, para se certificar de que o que via não era uma miragem.
Outras luzes faiscavam à
distância. Não de veículos, mas de algum tipo de assentamento ou acampamento
com electricidade.
Deixando a sacola no chão, esfregou o ombro e o braço dolorido para reanimar a
circulação. Pegou a câmera fotográfica, ajustou as lentes da teleobjetiva e
focalizou as luzes. Se fosse um acampamento da Guarda Republicana ou até mesmo
de soldados do Exército iraquiano, uma mulher americana viajando sozinha teria
poucas chances. Alguns dos colegas dela em Bagdad contavam histórias de
brutalidade, violação..., homens que se
comportavam como animais, como cães ferozes». In Lynn Sholes e Joe Moore, A Conspiração do
Graal, 2005, Clube do Autor, 2020, ISBN 978-989-724-534-3.
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