Cortesia
de wikipedia e jdact
Stingray
«(…) Mas soldados nem sempre sabem
lidar com finanças. As firmas especializadas haviam orçado em cifras de tirar o
fôlego a conversão do celeiro medieval em casa de campo e lar aconchegante. Daí
a decisão de fazer isso sozinho, a despeito de quanto tempo fosse necessário. O
lugar era idílico. Na sua imaginação, podia ver o tecto restaurado à sua glória
anterior, quando não tinha vazamentos, com noventa por cento das telhas originais
preservadas e os outros dez por cento comprados de uma barraca que vendia
material de demolição. As vigas mestras do telhado ainda estavam sólidas como
no dia em que foram cortadas do carvalho, mas a laje teria de ser retirada e substituída
por um impermeabilizante de tecto. Olhando para baixo, e vendo as antigas baias
de feno empoeiradas, podia imaginar a sala de estar, a cozinha, o escritório,
os corredores. Teria de recorrer a serviços profissionais para a rede eléctrica
e o encanamento, mas já fora à Escola Técnica de Southampton matricular-se em
cursos nocturnos de alvenaria, gessagem, carpintaria e vidreira.
Um dia haveria ali um pátio
calçado com pedras e uma horta. A trilha seria revestida com paralelepípedos e
haveria ovelhas pastando. Todas as noites, acampado no padoque enquanto
a natureza brindava-o com uma brisa quente de fim de verão, ele refazia os
cálculos e lembrava que, com paciência e muito trabalho, seria capaz de
sobreviver com seu orçamento modesto. Tinha 44 anos, pele olivácea, cabelos e
olhos negros e corpo magro e musculoso. E estava cansado. Cansado de desertos e
florestas, de malária e sanguessugas, de noites de frio congelante, de comida
ruim e pernas e braços doloridos. Conseguiria um emprego nas proximidades, e
depois um labrador ou um casal de Jack Russells para compartilhar sua vida. E,
talvez, até uma mulher. O homem no telhado removeu mais uma dúzia de telhas,
guardou as dez inteiras, jogou fora os fragmentos das quebradas, e uma lâmpada
vermelha piscou em Islamabad.
Muita gente pensa que, com um telemóvel
pré-pago, todas as contas futuras são evitadas. Isso é verdade para o comprador
e usuário, mas não para a operadora. A não ser que o aparelho seja usado apenas
dentro da área de operação na qual foi comprado, ainda há um acerto a ser
realizado, entre as empresas de telefonia, e são seus computadores que cuidam
disso. Quando o irmão de Abdelahi atendeu ao telefone em Quetta, a chamada utilizava-se
de uma antena situada nos arrabaldes de Peshawar. A torre pertence à Pak Tel.
Assim, o computador da companhia começou a procurar pelo vendedor original do telemóvelr
na Inglaterra, com a intenção de dizer, eletronicamente: Um dos seus clientes
está usando meu tempo e espaço aéreo, de modo que você está me devendo. Contudo,
há anos o Centro Antiterrorista (CAT) do Paquistão requerera que tanto a Pak Tel
quanto a sua rival, a Mobi Tel, passassem cada chamada emitida ou recebida pelas
suas redes para a sala de escuta do CAT. E, a pedido dos britânicos, o CAT
inseriria nos seus computadores um software de interceptação programado para
determinados números. Um deles subitamente estava activo.
Um jovem sargento paquistanês de
idioma pashto monitorava
o painel. Ele apertou um botão e um oficial superior entrou na linha. Depois de
vários segundos na escuta, o oficial perguntou: o que está dizendo? O sargento
ouviu e respondeu: o homem que ligou está dizendo alguma coisa sobre a mãe
dele. Acho que está falando com o irmão. De onde? Do transmissor de Peshawar. Não
era preciso dizer mais nada ao sargento. A chamada completa seria automaticamente
gravada para análise futura. A tarefa imediata era localizar o emissor. O major
do CAT de serviço naquele dia duvidava que uma chamada curta possibilitaria
isso. E certamente o idiota não iria permanecer muito tempo na linha. No seu
posto bem acima dos pavimentos subterrâneos, o major apertou três botões na sua
mesa. Uma ligação foi efectuada para o chefe de seção do CAT, em Peshawar.
Anos antes, e decerto antes do
evento hoje conhecido como 11 de Setembro, isto é, a destruição do World Trade
Center em 2001, o Departamento de Serviços Internos de Inteligência do
Paquistão, conhecido como ISI, fora infiltrado por muçulmanos fundamentalistas
do Exército paquistanês. Esse era o seu problema e o motivo para a sua completa
falta de confiança na luta contra o Talibã e a al-Qaeda.
Mas
o presidente do Paquistão, general Musharraf, tivera pouca escolha senão ouvir
o conselho vigoroso dos Estados Unidos para limpar a casa. Parte do programa
fora a transferência dos oficiais extremistas do ISI para deveres militares normais;
a outra fora a criação do Centro Antiterrorista, uma agência de elite composta
por uma nova geração de oficiais jovens sem qualquer inclinação pelo terrorismo
islâmico, por mais devotos que fossem à sua religião. O coronel Abdul Razak,
previamente comandante de carros de combate, era um desses oficiais. Comandava
o CAT em Peshawar, e atendeu a chamada às 14:30. O coronel escutou atentamente o
seu colega da capital federal, e então indagou: quanto tempo? Até agora, cerca
de três minutos. O coronel Razak tinha a sorte do seu escritório estar
localizado a meros 730 metros da antena da PakTel, dentro do raio de 900
metros, normalmente necessário para que seu localizador de direcção funcionasse
com eficácia. Acompanhado por dois técnicos, correu até ao terraço do edifício
para começar a operar o localizador». In Frederick Forsyth, O Afegão, Edições ASA,
2008, ISBN 978-989-230-267-6.
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