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de wikipedia e jdact
O
Castelo de Lucretili. Junho de 1453
«(…)
Lágrimas a surpreenderam, borrando a visão dos servos que entravam, traziam
mais comida para as mesas, serviam jarros de cerveja e levavam os melhores
pratos e o melhor vinho tinto para a mesa principal, enquanto Giorgio e seu
convidado, o príncipe, escolhiam primeiro e mandavam o resto para os homens que
os serviram tão bem durante o dia. O príncipe e seu irmão comeram bem e pediram
mais vinho. Isolde beliscava a comida e encarava a mesa das mulheres, onde o
olhar de Ishraq encontrava o seu em muda solidariedade. Quando terminaram, e as
frutas cristalizadas e o marzipã já haviam sido servidos na mesa principal e
levados embora, Giorgio tocou na sua mão. Não vá para seus aposentos ainda.
Quero falar convosco. Isolde acenou com a cabeça para dispensar Ishraq e as
damas do jantar e mandá-las de volta aos aposentos das mulheres. Então entrou
pela pequena porta atrás do tablado, para a sala privativa onde a família
Lucretili ficava depois do jantar. Um fogo ardia contra a parede, e havia três
poltronas voltadas para perto dele. Um jarro de vinho fora preparado para os
homens, e um copo de cerveja, para Isolde.
Enquanto ela se sentava, os dois
homens entraram juntos. Quero lhe falar sobre o testamento de nosso pai, disse
Giorgio, depois que todos estavam acomodados. Isolde olhou o príncipe Roberto. Roberto
tem relação com isto, explicou Giorgio. Quando o pai estava moribundo, disse
que a sua maior esperança era saber que você estaria segura e feliz. Ele a
amava muito. Isolde apertou os lábios frios com os dedos e piscou para conter
as lágrimas. Eu sei, disse o irmão, com gentileza. Sei que está de luto. Mas
precisa entender que o pai fez planos para e me deu o dever sagrado de colocá-los
em prática. Porque ele mesmo não me disse?, perguntou ela. Porque não falou
comigo? Sempre conversámos sobre tudo. Sei o que planeava para mim: ele disse que
se decidisse não me casar, moraria aqui, herdaria este castelo e você teria o castelo
e as terras na França. Nós concordámos com isto. Todos os três concordámos.
Concordámos quando ele estava bem,
respondeu Giorgio, paciente. Mas quando ficou doente e temeroso, mudou de
ideia. E não suportava que o visse tão enfermo e com tanta dor. Quando pensou
em você naquela hora, com a boca da morte escancarando-se diante dele, reflectiu
melhor sobre o plano inicial. Queria ter certeza de que ficaria em segurança. E
planeou bem, sugeriu que se casasse com o príncipe Roberto. Concordámos que
deveríamos retirar mil coroas do tesouro como dote.
Era um pagamento ínfimo para uma
mulher que fora criada para se considerar herdeira daquele castelo, dos pastos
férteis, dos bosques densos e das altas montanhas. Isolde ficou boquiaberta. Porque
tão pouco? Porque o príncipe nos honrou ao insinuar que a aceitaria exactamente
como é, sem nada além de mil coroas na bolsa. E poderá guardar tudo,
garantiu-lhe o homem, apertando a mão que Isolde pousara no braço da cadeira. Terá
o dinheiro para gastar no que quiser. Coisas lindas para uma linda princesa. Isolde
fitou o irmão, apertando os olhos azul-escuros enquanto compreendia o significado
daquilo tudo. Com um dote pequeno assim, ninguém mais fará propostas pela minha
mão, concluiu. Você sabe disso e, mesmo assim, não pediu mais? Não avisou o pai
que isto me deixaria sem nenhuma perspectiva? E o pai? Ele queria-me obrigar a casar
com o príncipe? O príncipe pôs a mão no peito carnudo e baixou os olhos
humildemente. A maioria das damas não precisaria ser obrigada, observou. Não
sei que marido poderia ser melhor para você, respondeu Giorgio, com calma. O
outro homem sorriu e assentiu para ela. E o pai também pensava desta forma.
Combinamos este dote com o príncipe Roberto, e ele ficou tão satisfeito por se
casar contigo que não pediu que levasse uma fortuna maior que esta. Não precisa
acusar ninguém de não defender os seus interesses. O que poderia ser melhor
para você que um casamento com um amigo da família, um príncipe e um homem
rico? Foi preciso apenas um segundo para se decidir. Não consigo pensar em
casamento, disse Isolde, categoricamente.
Perdoe-me, príncipe Roberto. Mas
a morte de meu pai é muito recente. Não consigo nem mesmo pensar nisso, quanto
mais falar no assunto. Precisamos falar no assunto, insistiu Giorgio. Segundo
os termos do testamento de nosso pai, devemos ajeitar sua vida. Ele não permitiria
nenhuma demora. Ou casa-se imediatamente com o meu amigo aqui ou... Ele
hesitou. Ou o quê?, perguntou Isolde, subitamente temerosa. A abadia, respondeu
ele, com simplicidade. O pai disse que, caso não se casasse, eu deveria nomeá-la
abadessa e você viveria lá. Nunca!, exclamou Isolde. Meu pai jamais faria isso
comigo! Giorgio assentiu. Também fiquei surpreso, mas ele disse que era o
futuro que planeara para você o tempo todo. Que foi por isso que não preencheu
o posto quando a última abadessa faleceu. Na época, já pensava, um ano atrás,
que você precisaria ficar em segurança. Não pode ser exposta aos perigos do
mundo, deixada sozinha aqui em Lucretili. Se não quiser casar-se, deverá ficar
na segurança da abadia. O príncipe Roberto sorriu para ela, com malícia. Uma
freira ou uma princesa, sugeriu. Imagino que seja uma decisão fácil de tomar». In
Philippe Gregory, O Substituto, 2012, Editora Galera Record, Colecção Ordem da
Escuridão, 2015, ISBN 978-850-140-319-3.
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