Data:
21 de Outubro de 1307
«Uma
janela ogival, estreita e alta, apenas permite a entrada da luz do dia.
Achamo-nos em uma ampla sala abobadada do velho Louvre de Felipe Augusto, que a fumaça das tochas murais
obscurece ainda um pouco mais. Atrás de uma mesa de tosca madeira, uns homens vestidos
com pesadas roupagens, com os rostos tensos e crispados pelo ódio, os legistas
de Felipe IV, o Formoso, escutam a voz baixa e triste que se eleva de um vulto
de roupas imundas e manchadas de sangue, desabado diante deles. Detrás, uns
carcereiros revestidos de couro e malhas, com rosto impassível, curtido pelas
campanhas. O homem que fala é um templário, chama-se Godofredo de Charnay, e
foi comendador da Normandia. Hoje, depois de ter sido trabalhado duramente
durante vários dias pelos verdugos do Palácio, conta as circunstâncias de sua
admissão na Ordem do Templo,
e toda sua juventude, apaixonada pelas façanhas guerreiras a cavalo e pelas
carreiras marítimas sob o esplêndido sol mediterrâneo, acode agora a sua
memória... Sem dúvida, e apesar do atroz sofrimento que lhe causam as suas
pernas, que os verdugos foram lubrificando lentamente, durante horas, com
azeite fervendo, negou tenazmente a sua homossexualidade, uma das primeiras
acusações que lhe faziam. Sem dúvida afirmou que ignorava tudo que lhe dizia sobre
a suposta adoração ritual de um gato preto, ou sobre uma misteriosa cabeça num
relicário de prata. Mas quanto a renegar a divindade de Jesus, confessou, e
mais, inclusive proporcionou detalhes: depois de me haver recebido e colocado o
manto, trouxeram-me uma cruz em que havia uma imagem de Jesus Cristo. O irmão
Amaury disse-me que não acreditasse naquele cuja imagem estava representada
ali, já que era um falso profeta, não era Deus...
O comendador que impunha
semelhante abjuração ao jovem Godofredo de Charnay, futuro comendador da Normandia,
chamava-se Amaury de la Roche, e era o amigo e favorito de são Luis... Esta
confissão de Godofredo de Charnay confirmava a de outro cavaleiro templário. A
este outro, o comendador que acabava de proceder à sua recepção tinha
assegurado, ao lhe ver retroceder horrorizado: não tema nada, filho. Este não é
o Senhor, não é Deus, é um falso profeta... Muitas outras confissões parecidas
completaram o expediente. Numa das obras mais completas que se consagraram a este
processo, M. Lavocat resume as perguntas formuladas aos templários pelos
inquisidores, tal como aparecem no próprio expediente: alguém se encontrava
frente à conclusões de inculpação e de informação já estabelecidas (sistema
muito cómodo), elaboradas por uns juristas versados na ciência das heresias infligidas
à Igreja. Os prelados instrutores estavam encarregados de investigar se os
Templários eram gnósticos, ou, o que era pior, maniqueus, dos que dividiam
Cristo num Cristo superior e um Cristo inferior, terrestre, passivo, partidista,
vivo e cativo na Matéria, cuja Organização ele constituía. Formariam parte
daquelas antigas seitas chamadas libertinas dos gnósticos carpo-cratianos, nicolaístas e maniqueus?
Teriam abraçado a religião de Mahoma
(como pretendia a Chronique de
Saint-Denys)? Ficava
ainda um ponto por examinar, mas difícil de conciliar com os outros. Os irmãos
do Templo consideravam Jesus como um falso profeta, como um criminoso de
direito comum, que teria sido condenado e executado pelos seus crimes? Ao
confirmar-se esta última hipótese, os Templários se teriam somado ao número dos
assassinos de Jesus, a quem crucificavam pela segunda vez, como escrevera Felipe,
o Formoso?
Nestas últimas perguntas, os
inquisidores demonstravam estar perfeitamente informados. Cem anos antes, os interrogatórios
aos perfeitos cátaros tinham-lhes revelado um segredo que sempre, até então,
tinham ignorado, posto que era secreto da Igreja, unicamente conhecido por seus
mais altos dignatários: a revelação do verdadeiro rosto de Jesus na História.
Esse rosto tinha sido registado nos arquivos do Império romano. E depois de
Constantino tinham-no expurgado. O judaísmo tinha-o conhecido, e na tormenta
das perseguições que se abateram fazia mil e trezentos anos sobre os
desafortunados judeus se conseguiu confiscar, destruir ou modificar os escritos
comprometedores. Tinham-no conhecido os cátaros, e se tinha destruído esta
heresia, assim como seus documentos manuscritos. Tinham-no revelado aos
Templários. E agora do que se tratava era de destruir os cátaros. Aí estavam as
confissões, formais, de numerosos irmãos da Ordem que sabiam... E esses beijos
impúdicos que se davam, um entre os dois ombros, e o outro no vão dos rins, não
estavam acaso destinados a atrair a atenção por volta de um dos segredos do Zohar, para um procedimento de acção
que os cabalistas judeus denominam o mistério da Balança, que põe em acção
Hochmah (a
Sabedoria) e Binah (a
Inteligência), os dois ombros do Antigo Dia, no mundo de Yesod (a Base dos seus rins)?»
In
Robert Ambelain, Jesus ou o Segredo Mortal dos Templários, 1970, Éditions
Robert Laffont, Ediciones Martínez Roca, 1982, ISBN 842-700-727-2.
Cortesia de EMartinezRoca/JDACT