«(…) Um túnel é escuro, de modo que os primeiros refinamentos são as janelas. Se a parede fosse bastante forte, poderia ter buracos. Os buracos seriam arredondados na parte de cima, com as laterais rectas e um peitoril horizontal, da mesma forma que a arcada original. O emprego de formas similares para os arcos, janelas e portas era uma das coisas que faziam um edifício bonito. A regularidade era outra, e Tom visualizava doze janelas idênticas, espaçadas uniformemente, ao longo de cada parede do túnel. Tom tentou visualizar as molduras das janelas, mas perdia a concentração a cada instante, porque achava que estava sendo observado. Era uma tolice, pensou, a menos que fosse, é claro, por estar sendo observado pelos pássaros, raposas, gatos, esquilos, ratos, camundongos, doninhas, arminhos e ratazanas que havia em grande número na floresta. Sentaram-se perto de um córrego ao meio-dia. Beberam a água pura e comeram toucinho e maçãs apanhadas no chão da floresta. De tarde Martha estava cansada. Em dado momento ficou umas cem jardas atrás deles. Parado, esperando que ela emparelhasse com o resto da família, Tom se lembrou de Alfred naquela idade. Era um menino bonito, de cabelos dourados, robusto e ousado. O afecto misturou-se com irritação ao ver Martha ralhando com o porco por ser tão vagaroso. Foi então que bem na frente dela surgiu um vulto vindo da floresta. O que aconteceu a seguir foi tão rápido que Tom mal pôde acreditar. O homem que aparecera tão de repente na estrada levantou um porrete acima do ombro. Um grito de horror subiu até à garganta de Tom, mas antes de se fazer ouvir o homem bateu com o porrete em Martha. Pegou em cheio do lado da cabeça, e Tom ouviu o barulho do golpe. Ela caiu no chão como uma boneca largada.
Quando Tom deu por si estava
correndo na direcção da menina, os pés batendo no chão com a força dos cascos
do cavalo de batalha de William, querendo que as suas pernas o levassem mais
depressa. Enquanto corria, observava o que estava acontecendo, mas era como
olhar para uma pintura no alto da parede de uma igreja, pois podia ver mas não
havia nada que fosse capaz de fazer para modificá-la. O atacante era,
indubitavelmente, um fora-da-lei. Baixo e atarracado, vestia uma túnica marrom
e estava descalço. Encarou Tom por um instante, e este pôde ver que o seu rosto
era horrivelmente mutilado; os lábios haviam sido cortados, presumivelmente
como punição de algum crime envolvendo mentiras, e sua boca era agora um repulsivo
sorriso permanente, cercado por uma cicatriz retorcida. Aquela visão horrível
teria detido Tom, não estivesse ele correndo para o corpinho de Martha jogado
no chão. O fora-da-lei desviou os olhos do construtor e voltou-se para o porco.
Numa fração de segundo abaixou-se, agarrou-o, enfiou o animal aos gritos debaixo
do braço e correu de volta para o emaranhado da floresta debaixo das árvores,
levando consigo a única coisa de valor da família de Tom. Tom ajoelhou-se ao
lado de Martha. Pôs a mão enorme sobre o seu peitinho e sentiu as batidas do
coração, firmes e fortes fazendo desaparecer seu pior medo; mas os olhos dela
estavam fechados e havia sangue vermelho no seu cabelo louro.
Agnes ajoelhou-se junto dele um
momento depois. Sentiu o peito, o pulso e a testa de Martha e olhou duro para
Tom. Ela viverá, disse, com a voz tensa. Traga de volta aquele porco. Tom
soltou rapidamente o saco de ferramentas e jogou-o no chão com a mão esquerda
pegou no cinto o martelo grande de cabeça de ferro. Ainda tinha o espigão na mão
direita. Viu os arbustos amassados no caminho por onde o ladrão viera e fora
embora, e ouviu os guinchos do porco, mais adiante. Mergulhou por entre a
vegetação rasteira sob as árvores. A trilha era fácil de seguir. O fora-da-lei
era corpulento, corria com um porco que se debatia e deixava uma trilha larga,
pisoteando flores, arbustos e pequenas árvores. Tom correu atrás dele, tomado
de um desejo selvagem de pegar aquele homem e espancá-lo até que perdesse os
sentidos. Passou por entre um renque de vidoeiros, arremessou-se por uma elevação
abaixo e patinhou num charco até chegar a uma trilha estreita. Aí parou. O ladrão
podia ter ido para a esquerda ou para a direita, só que não havia vegetação esmagada
para mostrar o caminho; não obstante, Tom prestou atenção e ouviu o porco
guinchando um pouco mais além, à esquerda. Ouviu também alguém correndo na
floresta atrás dele, Alfred, presumivelmente. Foi atrás do seu porco.
O caminho o levou a uma descida,
depois a uma curva acentuada e começou então a subir. Podia ouvir o porco
claramente agora. Subiu correndo a elevação, respirando com dificuldade, tantos
anos respirando pó de pedra tinham enfraquecido seus pulmões. De repente o
caminho voltou a ser horizontal e ele viu o ladrão, a apenas umas vinte ou
trinta jardas de distância, correndo como se o demónio o perseguisse. Tom
redobrou os esforços e começou a reduzir a diferença. Tudo indicava que ia
conseguir apanhar o fora-da-lei, se continuasse correndo, pois um homem com um
porco não pode correr tão depressa quanto um homem sem nenhum. Mas agora seu
peito doía. O ladrão estava a umas quinze jardas, talvez doze. Tom ergueu o espigão
de ferro acima da cabeça, como uma lança. Mais perto um pouco e ele
arremessaria. Onze jardas, dez... Antes que o espigão pudesse sair da sua mão,
ele percebeu, com o canto do olho, um rosto magro sob um gorro verde saindo do
mato que ladeava a trilha. Era tarde demais para se desviar. Uma vara grossa
foi atirada na sua frente, ele tropeçou nela, tal como fora a intenção de quem
a jogara, e caiu no chão. Tom deixou cair o espigão mas conservou o martelo.
Girou e levantou-se sobre um dos joelhos. Havia dois homens agora: o de gorro
verde e um careca de barba branca. Os dois se precipitaram sobre ele». In
Ken Follett, Os Pilares da Terra, 1989, Editorial Presença, 2007, ISBN
978-972-233-788-5.
Cortesia de EPresença/JDACT
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