Tudo é Número
«(…) Além de estudar as relações entre os números, Pitágoras
também era fascinado pela ligação dos números com a natureza. Ele percebeu que
os fenómenos naturais são governados por leis, e que essas leis podem ser
descritas por equações matemáticas. Uma das primeiras ligações que ele percebeu
foi a relação fundamental entre a harmonia da música e a harmonia dos
números. O instrumento mais importante da antiga música helénica era o
tetracórdio, ou lira de quatro cordas. Antes de Pitágoras, os músicos tinham percebido
que certas notas, quando soavam juntas, criavam um efeito agradável e afinavam as
suas liras de modo que ao tocarem duas cordas pudessem produzir tal harmonia.
Contudo, os antigos músicos não compreendiam porque certas notas, em especial,
eram harmónicas, e não tinham nenhum meio preciso de afinar seus instrumentos.
Eles afinavam suas liras pelo ouvido, até conseguirem um estado de harmonia, um
processo que Platão chamava de torturar as cravelhas. Iamblicus, um estudioso
do século IV, descreve como Pitágoras descobriu os princípios básicos da
harmonia musical:
Certa vez ele estava dominado pela ideia de descobrir se poderia criar um instrumento mecânico para ampliar o sentido da audição, que fosse preciso e engenhoso. O aparelho seria semelhante aos compassos, réguas e instrumentos ópticos projectados para o sentido da visão. Do mesmo modo o sentido do tacto tinha escalas e os conceitos de pesos e medidas. Por algum acto divino de sorte, aconteceu de Pitágoras passar por uma oficina de um ferreiro e ouvi os martelos golpeando o ferro e produzindo uma harmonia variada, cheia de reverberações, excepto por uma combinação de sons.
De acordo com Iamblicus, Pitágoras correu imediatamente para dentro da forja a fim de investigar a harmonia dos martelos. Ele percebeu que a maioria dos martelos podia ser usada simultaneamente para gerar sons harmoniosos, enquanto qualquer combinação contendo um martelo em particular produzia um ruído desagradável. Ele analisou os martelos e descobriu que aqueles que eram harmoniosos entre si tinham uma relação matemática simples, suas massas eram proporções simples, ou fracções, umas das outras. Ou seja, martelos que possuíssem a metade, dois terços ou três quartos do peso de um determinado martelo produziriam sons harmoniosos. Por outro lado, o martelo que gerava desarmonia quando golpeado junto com os outros tinha um peso que não apresentava qualquer relação simples com o peso dos outros. Pitágoras descobrira que as relações numéricas simples são as responsáveis pela harmonia na música. Os cientistas lançaram algumas dúvidas quanto ao relato de Iamblicus, mas é certo que Pitágoras aplicou a sua nova teoria de proporções musicais à lira, examinando as propriedades de uma única corda. Tocando simplesmente uma corda temos uma nota padrão, que é produzida pela vibração da corda inteira. Prendendo a corda em determinados pontos do seu comprimento é possível produzir outras vibrações ou notas. As notas harmónicas ocorrem somente em pontos muito específicos. Por exemplo, fixando a corda num ponto correspondente à metade do seu comprimento, ela produz, ao ser tocada, uma nota que é uma oitava mais alta e em harmonia com a nota original. De modo semelhante, se prendermos a corda em pontos correspondentes a um terço, um quarto e um quinto do seu comprimento, produziremos outras notas harmónicas. Já se prendermos a corda em outros pontos que não formam uma fracção simples do seu comprimento, a nota produzida não se harmoniza com as outras.
Pitágoras tinha descoberto pela primeira vez as leis matemáticas
que governam um fenómeno físico e demonstrara a existência de uma relação
fundamental entre a matemática e a ciência.
Desde essa descoberta, os cientistas têm buscado as regras matemáticas que
parecem governar cada processo físico e descobriram que os números aparecem em
todo o tipo de fenómenos naturais. Por exemplo, um número em especial parece
governar o comprimento dos rios tortuosos. O professor Hans-Henrik Stølum,
geólogo da Universidade de Cambridge, calculou a relação entre o comprimento verdadeiro de um rio, da nascente até à
foz, e o seu comprimento em linha recta. Embora a taxa varie de rio para rio, o
valor médio é ligeiramente maior do que 3. Ou seja, o comprimento real é
aproximadamente o triplo da distância em linha recta. De facto, a proporção
é aproximadamente 3,14, que é próximo do valor do número π, a proporção entre a circunferência de um círculo e seu
diâmetro.
O número π foi
derivado, originalmente, da geometria dos círculos, e no entanto ele vive
reaparecendo numa grande variedade
de acontecimentos científicos. No caso da proporção entre os rios, a aparição
de π é o resultado de uma batalha
entre a ordem e o caos. Einstein foi o primeiro a sugerir que os rios possuem
uma tendência a um caminho mais serpenteante porque uma curva menor vai
produzir correntes mais rápidas na margem oposta, que por sua vez produzirão
uma erosão maior e uma curva mais pronunciada. Quanto mais fechada a curva,
mais rápidas serão as correntezas na margem oposta, maior a erosão e mais o rio
irá serpentear. Contudo, existe um processo que irá se opor ao caos. Os
meandros farão o rio voltar-se
sobre si mesmo, se anulando. O rio vai-se
tornar mais recto, e o meandro será
deixado para o lado, formando um lago. O equilíbrio entre esses factores opostos leva a uma relação média de π entre o comprimento real e a distância em linha recta da nascente até à foz. A proporção de π é mais comumente encontrada entre
rios que fluem sobre planícies como as que existem no Brasil e na tundra
siberiana». In Simon Singh, o Último Teorema de
Fermat, 1997, Edição BestBolso, nº 367, Editora Record, 2011-2014,
978-857-799-462-5.
Cortesia de ERecord/JDACT
JDACT, Simon Singh, Matemática, Cultura e Conhecimento,