«Em 2006, num fim de tarde de Verão, eu me encontrava numa pequena aldeia do norte do Vietname, sentada junto ao fogo fuliginoso de uma cozinha com várias mulheres locais, cujo idioma não sei falar, tentando-lhes fazer perguntas sobre casamento. Já havia vários meses eu viajava pelo sueste da Ásia com um homem que logo se tornaria meu marido. Suponho que o nome convencional de um indivíduo desses seja noivo, mas nenhum de nós gostava muito dessa palavra e, por isso, não a usávamos. Na verdade, nenhum de nós gostava muito dessa ideia de matrimónio como um todo. O casamento nunca tinha passado pelos nossos planos em comum nem era coisa que quiséssemos. Mas a providência interferiu nos nossos planos, e por isso agora perambulávamos ao acaso no Vietname, na Tailândia, no Laos, no Camboja e na Indonésia, tomando providências urgentes e até desesperadas para voltar aos Estados Unidos e nos casar.
Nessa época, o homem em questão
era meu amante, meu namorado, havia mais de dois anos, e nestas páginas vou
chamá-lo de Felipe. Felipe é um cavalheiro brasileiro gentil e afectuoso, 17
anos mais velho do que eu, que conheci noutra viagem (uma viagem planeada de
verdade) que fiz pelo mundo, alguns anos antes, na tentativa de remendar um
coração gravemente partido. Perto do fim da viagem, encontrei Felipe, que havia
anos morava sozinho e tranquilo em Bali, cuidando do seu coração partido. O que
veio em seguida foi atracção, depois uma lenta corte e, finalmente, para nosso
espanto mútuo, amor. A nossa resistência ao casamento na época nada tinha a ver
com ausência de amor. Ao contrário, Felipe e eu nos amávamos sem reservas.
Fazer todo tipo de promessa de ficarmos juntos e sermos fiéis para sempre nos satisfazia.
Já tínhamos até jurado fidelidade vitalícia um ao outro, embora em particular.
O problema é que éramos sobreviventes de divórcios difíceis, e a experiência nos
deixou tão feridos que bastava a ideia de um casamento formal, com qualquer pessoa, mesmo com pessoas tão
legais como nós dois, para provocar uma sensação pesada de pavor.
Em geral, é claro que a maioria dos
divórcios é bem difícil (Rebecca West observou que quase sempre, divorciar-se é
uma ocupação tão alegre e útil quanto quebrar louças muito valiosas), e os
nossos não foram excepção. Na poderosa Escala Cósmica de Ruindade do Divórcio,
que vai de um a dez (na qual um é igual a uma separação amigável e dez é..., digamos,
uma verdadeira pena capital), provavelmente eu daria ao meu a nota 7,5. Não
houve suicídios nem homicídios, mas fora isso o rompimento foi um processo dos mais
feios possíveis entre duas pessoas bem-educadas. E se arrastou durante mais de
dois anos. Quanto a Felipe, seu primeiro casamento (com uma profissional liberal
australiana inteligente) terminara quase uma década antes de nos conhecermos em
Bali. Na época, o divórcio se desenrolara bastante bem, mas perder a mulher (e,
junto com ela, o acesso à casa, aos filhos e a quase duas décadas de história) deixara
a esse homem bom uma herança de tristeza duradoura, com ênfase especial no
arrependimento, no isolamento e na ansiedade económica.
Assim, a nossa experiência nos deixara
exauridos, perturbados e com firme desconfiança diante das alegrias do sagrado
matrimónio. Como todos os que já passaram pelo vale das sombras do divórcio, Felipe
e eu tínhamos aprendido em primeira mão a seguinte verdade desagradável: toda
intimidade traz consigo, escondidos sob a superfície adorável do início, os
mecanismos sempre engatilhados da catástrofe total. Já tínhamos aprendido que o
casamento é um terreno no qual é muito mais fácil entrar do que sair. Sem as
restrições da lei, o amante não casado pode sair do mau relacionamento a
qualquer momento. Mas o casado legalmente que quiser escapar do amor infeliz
logo descobre que uma parcela significativa do contrato de casamento pertence
ao Estado e que, às vezes, demora muito para o Estado lhe dar permissão de
partir. Portanto, é bem possível ficar preso durante meses e até anos numa união
legal sem amor que mais se parece com um prédio em chamas. Um prédio em chamas
onde você, amigo, está algemado a um aquecedor em algum ponto do porão, incapaz
de se soltar, enquanto a fumaça sobe em nuvens e as vigas vêm caindo...» In Elizabeth
Gilbert, Comprometida, 2010, Bertrand Editora, 2010, ISBN 978-972-252-184-0.
Cortesia de BertrandE/JDACT
JDACT, Elizabeth Gilbert, Literatura, Matrimónio,