«(…) Quando era criança, me ensinaram a prender a respiração e esvaziar a mente ao passar pela Lubianca, diziam que o ministro da Segurança do Estado percebia quando alguém nutria pensamentos antissoviéticos. Na época, eu não fazia a menor ideia de o que eram pensamentos antissoviéticos. O carro passou por uma rotatória e depois pelos portões que davam para o pátio da Lubianca. Minha boca se encheu de bile, que logo engoli. Os homens sentados ao meu lado se afastaram o máximo que puderam. O carro parou. Qual é o prédio mais alto de Moscovo?, perguntou o homem que cheirava a cebola e repolho, abrindo a porta. Senti mais uma onda de náusea e me inclinei para a frente, devolvendo os ovos fritos do café sobre os paralelepípedos, quase acertando os sapatos pretos sem graça do homem. Lubianca, é claro, falou. Dizem que dá para enxergar até a Sibéria do porão. O segundo homem riu e apagou o cigarro na sola do sapato. Cuspi duas vezes e limpei a boca com as costas da mão. Dentro do prédio de tijolos amarelos, os homens de terno preto me entregaram para duas guardas mulheres, mas não sem antes me dar uma olhada que dizia que eu deveria agradecer por não serem eles que me levariam até à cela. A mulher maior, que tinha uma sombra de bigode, ficou sentada numa cadeira de plástico azul enquanto a menor pedia que eu tirasse a roupa com a voz tão suave que era como se estivesse convencendo uma criança a usar o vaso. Tirei o casaco, o vestido e os sapatos e fiquei com a roupa de baixo cor de pele enquanto a mulher menor tirava meu relógio e meus anéis. Ela os jogou num recipiente de metal, gerando um barulho que ecoou nas paredes de concreto, e fez sinal para que eu abrisse o soutien. Recuei, cruzando os braços. Precisamos dele, disse a mulher na cadeira azul, as primeiras palavras que dirigiu a mim. Você pode se enforcar.
Abri o fecho e tirei o soutien, o
ar frio atingindo meu peito. Senti os olhos dela examinando meu corpo. Mesmo nessas
circunstâncias, as mulheres avaliam umas às outras. Você está grávida?,
perguntou a mulher maior. Sim, respondi. Foi a primeira vez que admiti em voz
alta. A última vez que Boris e eu fizéramos amor tinha sido uma semana depois
de ele terminar comigo pela terceira vez. Terminou, dissera ele. Precisa
terminar.
Eu estava destruindo a família
dele. Eu era a causa da sua dor. Ele falara tudo isso enquanto caminhávamos por
uma ruela próxima à Arbat, e eu caí no umbral da porta de uma padaria. Ele foi-me
levantar, e gritei que me deixasse em paz. As pessoas pararam e ficaram olhando
para nós. Na semana seguinte, ele estava na minha porta. Trazia um presente: um
quimono japonês luxuoso que suas irmãs conseguiram para ele em Londres. Experimente
para mim, implorou ele. Me escondi atrás do biombo e vesti o quimono. O tecido
era duro e não me favorecia, fazendo uma onda na barriga. Era grande demais…,
talvez ele tivesse dito às irmãs que o presente era para a esposa. Odiei e
disse-lhe. Ele riu. Então tire, suplicou. E eu tirei. Um mês depois, minha pele
começou a formigar, como se eu tivesse mergulhada num banho quente depois de vir
do frio. Já tinha sentido aquilo antes, com Ira e Mitia, e soube que estava
carregando um filho dele. Um médico irá vê-la em breve, então, disse a guarda
menor. Elas me revistaram, pegaram tudo, me deram um guarda-pó cinza grande e
chinelos dois números maiores do que os meus pés e me levaram até uma cela de
cimento contendo apenas um colchonete e um balde». In Lara Prescott, Os Segredos que
Guardamos, 2019, Editora Intrínseca, 2019, ISBN 978-855-100-568-2.
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