«(…) Vendo-a assoberbada de trabalho, Bete meneava a cabeça contrariada: estão abusando de si. Além de ficar lá até tarde todos os dias, ainda traz trabalho para o fim de semana? Não acha que é demais? Preciso adquirir experiência. A vantagem é minha. Enquanto isso eles lhe pagam pouco e ganham dinheiro à sua custa. Não seja mercenária! Eu gosto de trabalhar. Faço isso por mim, não por eles. Um dia ainda terei tudo quanto desejo. Se não acabar antes. Hoje tem um baile no clube em que o Carlos é sócio. Ele nos convidou. Vamos? Vá. Prefiro ficar aqui. Você não tem jeito mesmo. O Marcelo está louco por você. Ele costuma ir a esse clube. Não estou interessada. Ele é um pedaço! Se fosse comigo, não ia perder a vez. Fique com ele. Não a entendo. Não namora, não sai, só trabalha. Desse jeito vai ficar para tia.
Pouco me importa. Casamento não
está nos meus planos. Que horror! Não diga isso nem brincando. Eu, quando
aparecer alguém de quem eu goste, caso mesmo. Não vejo a hora de ter família,
de ser feliz. Pois eu não. Casamento não dá futuro. Eu quero mais é cuidar da minha
vida. Marina chegou ao banco e olhou desanimada para a imensa fila do caixa.
Foi falar com o gerente. Sorriu, conversou, contou uma história que inventou na
hora e conseguiu que ele a atendesse rapidamente. Estava habituada a essas
gentilezas. Sabia que era bonita, elegante e bem-feita. Seus cabelos
castanho-dourados, seus olhos verdes e profundos, sua pele morena e delicada,
seus dentes alvos e bem distribuídos, as duas covinhas que se formavam quando
sorria e principalmente seu irresistível magnetismo garantiam-lhe bom
atendimento onde aparecesse.
Fez o outro banco e foi ao
escritório do dr. Moura. Ele não estava e ela não queria entregar aquele
documento à secretária. Era um contrato muito importante. Fora por insistência
dela que o dr. Olavo começara a atender casos na área empresarial. Marina
pensava que os grandes negócios aconteciam a todo o momento nas empresas.
Participar deles era obter mais lucro em menos tempo. Espólios, heranças e
problemas familiares, além de serem causas muito demoradas e trabalhosas, eram
menos rentáveis. A princípio Olavo não se interessara muito, mas depois acabou
aceitando algumas causas nessa área. Sentada no sofá macio na penumbra da tarde
que ia se findando, Marina sentiu o prazer de usufruir daqueles momentos de
descanso. Olhava satisfeita para os magníficos quadros nas paredes, para o vaso
de cristal cheio de flores frescas, perfumadas e arrumadas artisticamente, para
os móveis finos, de bom gosto, e podia sentir a maciez do tapete sob seus pés.
O dr. Moura vai demorar. Tem certeza de que é só com ele? A secretária estava
em pé na sua frente. Tenho. Foi um pedido do dr. Olavo. Ele vai vir? Vai. Mas
não tem hora. Se ele vem, vou esperar. Aceita um café ou um refrigerante? Um
café, obrigada. Marina tomou o café e colocou a xícara de porcelana revestida
de prata na bandeja sobre a mesinha. Dispondo algumas revistas ao alcance dela,
a secretária disse: fique à vontade, e retirou-se para a outra sala». In Zibia Gasparetto, Nada
é por Acaso, 2005, Edição 11, Editor Nascente, 2012, ISBN 978-989-668-172-2.
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