sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Comer, Orar, Amar. Elizabeth Gilbert. «Ali, ofereço ao universo uma fervorosa oração de agradecimento. Primeiro, em inglês. Em seguida, em italiano. E então, só para ter a certeza, em sânscrito»

 

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Usando meus aguçados poderes de intuição, mandei um e-mail para os dois homens ao mesmo tempo, perguntando, em italiano: será que vocês são irmãos? Foi Giovanni quem respondeu com este texto muito provocativo: melhor ainda. Gémeos! Sim, muito melhor. Gémeos idênticos de 25 anos, altos, morenos e lindos, conforme vim a descobrir, com aqueles gigantescos olhos castanhos de pupilas líquidas que os italianos têm e que simplesmente me tiram o chão. Depois de conhecer os rapazes pessoalmente, comecei a perguntar-me se por acaso eu deveria ajustar um pouquinho a minha regra quanto a permanecer solteira durante este ano. Por exemplo, talvez eu pudesse permanecer totalmente solteira excepto pelo facto de ter dois lindos irmãos italianos de 25 anos como amantes. Isso me lembrava um pouco um amigo meu que é vegetariano, mas come bacon, e no entanto… Eu já estava escrevendo a minha carta para o fórum de alguma revista masculina: em meio à penumbra bruxuleante iluminada pelas velas do café romano, era impossível dizer de quem eram as mãos que acariciavam… Mas não. Não, não, não.

Interrompi a fantasia no meio. Aquele não era o momento para eu arrumar uma história de amor e (conseqüência óbvia e inevitável) complicar ainda mais a minha já tão enrolada vida. Aquele era o momento para eu procurar o tipo de cura e paz que só podem vir da solidão. De todo o modo, àquela altura, em meados de Novembro, o tímido e estudioso Giovanni e eu já havíamos nos tornado grandes amigos. Quanto a Dario, o mais extrovertido e festeiro dos dois irmãos, eu o apresentei à minha encantadora amiguinha sueca, Sofie, e o modo como eles têm compartilhado as suas noites em Roma é outro tipo completamente diferente de intercâmbio. Mas Giovanni e eu só fazemos conversar. Bom, comer e conversar. Já faz várias agradáveis semanas que temos comido e conversado, dividindo pizzas e gentis correcções gramaticais, e a noite de hoje não foi nenhuma excepção. Uma noite maravilhosa regada a novos idiomas e mozzarella fresca.

Agora é meia-noite e o tempo está enevoado, e Giovanni me acompanha até ao meu apartamento por aquelas ruelas de Roma que serpenteiam de forma natural em volta dos antigos prédios como pequenos riachos coleando ao redor das sombras formadas pelos densos bosques de ciprestes. Agora estamos diante da minha porta. Estamos de frente um para o outro. Ele me dá um abraço caloroso. A coisa já evoluiu; durante as primeiras semanas, ele só fazia apertar minha mão. Acho que, se eu ficasse na Itália por mais três anos, poderia até ser que ele tomasse coragem para me beijar. Por outro lado, ele poderia simplesmente me beijar agora mesmo, esta noite, aqui mesmo junto à minha porta…, ainda há uma chance…, quero dizer, nossos corpos estão colados sob o luar…, e é claro que isso seria um erro terrível…, mas mesmo assim o facto de ele poder realmente fazer isso agora é uma possibilidade tão maravilhosa…, ele poder simplesmente se curvar…, e…, e… Que nada. Ele solta o abraço. Boa-noite, cara Liz. Buona notte, caro mio, respondo. Subo as escadas até ao meu apartamento no quarto andar, sozinha. Entro na minha mini cozinha, sozinha. Fecho a porta atrás de mim. Mais uma noite solitária em Roma. Mais uma longa noite de sono pela frente, sem ninguém nem nada na minha cama a não ser uma pilha de guias de conversação e dicionários de italiano. Estou sozinha, inteiramente sozinha, completamente sozinha. Ao absorver essa realidade, largo minha bolsa, caio de joelhos e encosto a testa no chão. Ali, ofereço ao universo uma fervorosa oração de agradecimento. Primeiro, em inglês. Em seguida, em italiano. E então, só para ter a certeza, em sânscrito.

E uma vez que já estou ali ajoelhada no chão em posição de súplica, deixem-me manter essa posição enquanto viajo no tempo até três anos atrás, até ao instante em que toda esta história começou, um instante que também me encontrou nessa mesma exacta posição: de joelhos, no chão, rezando. No entanto, tudo o mais em relação à cena de três anos atrás era diferente. Daquela vez eu não estava em Roma, mas sim no banheiro do andar de cima da grande casa no subúrbio de Nova York que eu acabara de comprar com meu marido. Eram mais ou menos três horas da manhã de um Novembro gelado. Meu marido dormia na nossa cama. Eu estava escondida no banheiro pelo que deveria ser a 47a noite consecutiva, e, como em todas aquelas outras noites, estava soluçando. Soluçando com tanta força, na verdade, que uma grande poça de lágrimas e muco se espalhava à minha frente sobre os ladrilhos da casa de banho, um verdadeiro lago formado por toda a minha vergonha, medo, confusão e dor. Eu não quero mais estar casada». In Elizabeth Gilbert, Comer, Orar, Amar, 2006, Bertrand Editora, 2006, ISBN 978-972-251-503-0

Cortesia de BertrandE/JDACT

JDACT, Elizabeth Gilbert, Literatura, Itália, Indonésia, Índia,