Sancho II de Portugal. Um Conspecto Historiográfico
Com a devida vénia ao Doutor José Varandas
Fr. António Brandão (1632). Quarta parte da Monarchia Lusitana que conthem a Historia do reyno de Portugal, desde o tempo delRey D. Sancho I, até o reynado delRey D. Affonso III. Lisboa, ed. por Pedro Crasbeek, 1632
«(…) cavaleiros e aos povos, aos
religiosos e clero do dito reino todos os bons costumes e foros escritos e não
escritos que tiveram em tempo de meu avô e de meu bisavô; e farei que se tirem
todos os maus costumes e abusos introduzidos por qualquer ocasião ou por qualquer
pessoa, em tempo de meu pai e irmão, e particularmente, quando se cometer
homicídio, que se não leve dinheiro aos vizinhos do morto, mormente quando é
manifesto quem foi o matador…
O resto é a guerra. Sancho II
tenta por todos os meios impedir que seu irmão ocupe o governo do reino.
Afonso, desembarca em Lisboa em 1245, nomeado curador do reino e pouco tempo
depois, a pedido do rei de Portugal, uma hoste de cavaleiros castelhanos, às
ordens do futuro Afonso X, atravessa as fronteiras do Côa e juntam-se às forças
de Sancho.
Enquanto o conde de Bolonha
andava em Portugal, vencendo na guerra as dificuldades que ocorriam e tratando
de dar satisfação na paz às esperanças que dele se tinham, el-rei Sancho, em
Toledo, livre já dos encargos do reino e bem desenganado do pouco caso que se
pode fazer das cousas da vida, passava o tempo com quietação e repouso….
O rei preparava-se para morrer
naquela cidade e à sua morte, António Brandão, escreve sobre o último enigma
daquele reinado, os dois testamentos e sobre o que eles contêm, e mais uma vez,
o seu espírito arguto detecta inconsistências e incoerências, que hão-de
acompanhar a historiografia portuguesa. Às vezes cronista, armado com a pena do
patriotismo, faz descrições perturbantes das qualidades de um rei que foi
deposto; outras vezes, sereno, frio, isento, abandona com desprezo as antigas
crónicas, monumentos incompletos e mergulha nos pergaminhos dos mosteiros, das
igrejas, das chancelarias régias e, neles descobre, outras verdades sobre aquele
rei, sobre Sancho II que morreu em Toledo no princípio do ano de 1248. Do que leu
e depois escreveu, não mais a história portuguesa se esqueceu, e da vida,
feitos e desventuras daquele rei, nenhuma história se pode fazer sem parar
nestas páginas que, na primeira metade do século XVII um monge de Cister,
mandou imprimir. Ainda hoje a História
de Portugal de Alexandre Herculano pode ser considerada como
o grande monumento historiográfico português do século XIX. Profundamente influenciado
por uma exigente e moderna historiografia europeia estava convicto de que a
história só podia ser feita a partir de documentos autênticos. A necessidade de
uma grande exigência crítica ao nível das fontes, requisito fundamental para
uma verdadeira reconstrução dos acontecimentos, levava-o a demarcar-se dos
modelos historiográficos que o precederam e que não contemplavam a necessidade
da crítica histórica, ou daqueles que se limitavam a produzir histórias
genealógicas, biográficas ou narrativas de feitos heróicos onde os objectivos
eram bem claros e pouco tinham a ver com a verdade histórica.
Nesta obra valoriza os aspectos
político-militares dos reinados de Sancho I, Afonso II e Sancho II onde o
modelo de análise político-institucional predomina e é muitas vezes
acrescentado com outras perspectivas. Os fenómenos económicos, culturais e
mentais, transparecem em muitos dos seus parágrafos e a observação sistemática
dos acontecimentos passados durante a governação de Sancho II é prenhe desta
conexão entre o modelo institucional e os outros contextos. Vale a pena
recordar a observação de Vitorino Magalhães Godinho de que em Herculano: coexistem
dois historiadores: o da parte social da história de Portugal, da história dos
bens da Coroa [...] e o da parte narrativa, dos acontecimentos da História de
Portugal...
Lutava Herculano pela
neutralidade do historiador em relação à época passada que queria estudar, mas
ele próprio não ficou imune aos condicionalismos e tentações do seu tempo. Era
inevitável que a história passasse a ser cada vez mais entendida (e produzida)
como uma ciência aplicável, que explicava o presente de forma pedagógica a partir
da reconstituição do passado. Historiador liberal, acreditava na observação
objectiva do passado como modelo explicativo do presente e antecipador do
futuro. O seu projecto historiográfico assentava na crítica das fontes
disponíveis, aproveitando os esforços que nesse sentido os monges beneditinos
do século XVIII tinham desenvolvido, e desvalorizava os modelos tradicionais
que punham em evidência as vidas singulares dos monarcas e das suas famílias,
em detrimento da reconstituição das mudanças sociais e políticas, como por exemplo,
a evolução dos sistemas jurídicos, económicos e culturais. Lançava, desta forma
o anátema contra a história dos reis e das genealogias. O seu projecto almejava
a reconstituição da sociedade e não a história dos indivíduos, embora lhe fosse
difícil negar a importância do indivíduo na história. É o que se passa com os
dois filhos de Afonso II, que entre 1245 e 1248 disputam o trono de Portugal.
Carregada e
melancólica rompia a aurora do reinado de Sancho II.
A
chegada ao poder do novo rei acontece num clima de grande perturbação em torno
da coroa e do sistema político vigente. Com a morte de Afonso II, Herculano introduz
uma questão no seio das preocupações da historiografia portuguesa: a menoridade de Sancho II.
Este tema já tinha sido apontado por António Brandão, embora com incorrecções
no que diz respeito a datas. Herculano retoma-o, de forma crítica, construindo
sobre a idade insuficiente do rei a ideia de que aí estava o início de alguns
dos problemas que diminuiram a governação de Sancho, em especial aqueles que foram
condicionados pela personalidade, vista como inconstante, do monarca. Com efeito,
é com Alexandre Herculano, que esta questão ganha substância e assume personalidade
própria na historiografia portuguesa». In José Varandas, Bonus Rex ou Rex Inutilis,
As Periferias e o Centro. Redes de poder no reinado de Sancho II (1223-1248),Ude
Lisboa, FdeLetras, DdeHistória, Tese de Doutoramento em História, História
Medieval, 2003, Wikipedia.
Cortesia de Ude Lisboa/ FdeLetras/ DdeHistória/JDACT
JDACT, José Varandas, História, Cultura e Conhecimento, Universidade,