sábado, 9 de janeiro de 2021

Eu e as Mulheres da Minha Vida. Tiago Rebelo. «Plim! A palavra message começou a piscar no computador de Zé. Olá, colega de almoço. Não é possível! Zé ficou a olhar para o ecrã, hipnotizado»

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O Factor Bellucci

«(…) São, assentiu Zé. Acenou-lhes e voltou a concentrar-se nela, sem lhes prestar muita atenção. Os colegas acenaram também e foram até ao balcão. Depois Zé não ouviu mais nada do que Cátia disse. Esteve sempre com um olho no balcão. Lá estava o Pestana, a beber a bica, a espreitar por cima da chávena, a segredar qualquer coisa aos outros, os outros a olharem de esguelha para a mesa deles, a virarem-se para o Pestana, a fazerem que sim com a cabeça. Aquilo seria um sinal de aprovação? Estaria ele a detectar sinais de admiração da parte dos colegas? Veja lá, disse Cátia, se quer ir ter com os seus colegas... Não, de maneira nenhuma. Estava a dizer? Estava a dizer que... Mas Zé não a ouvia. Eles a olharem. Quis mostrar-se mais informal, mais íntimo. Atirou a cabeça para trás e soltou uma gargalhadinha, como se estivessem os dois a gozar à brava. Assim como assim, como não tinha a menor hipótese de levar alguma coisa de uma mulher como a Bellucci, pelo menos que ela lhe servisse para deixar o Pestana na mer… Quem é que é o cara de … agora, há? De que é que se está a rir?, espantou-se Cátia. Acha assim tanta graça ao meu problema? Não, não, é claro que não. Pôs-se sério. Problema? Voltaram para o banco em ritmo de passeio. Cátia parecia bastante agradada com a companhia dele e Zé sentiu-se bem como não lhe acontecia há muito. Figueireeedo!, esganiçou-se o colega, quando Zé voltou do almoço O que era aquilo que eu vi?!

Aquilo, o quê?, disse Zé, sentando-se à secretária. Aquiiilo! Pestana abriu os braços. Não era óbvio? Tu e a Bellucci a almoçarem. Ah, isso... Encolheu os ombros. O que é que tem? O que é que tem?! Estás a gozar comigo? Não, o que é que tem? Colocou as mãos atrás da cabeça e rodou a cadeira, ficando de frente para o Pestana. Sou amigo dela. Ai, és? Sou. Pronto, não se podia dizer que fosse um amigo muito chegado, mas, tecnicamente, não era mentira nenhuma. E mesmo que fosse, só para fazer inveja ao colega, até estava capaz de lhe dizer que a conhecia desde pequenina. Atirou-se que nem um leão ao relatório da agência de Setúbal. Ficaria pronto ainda hoje, sem problema.

Plim! A palavra message começou a piscar no computador de Zé. Olá, colega de almoço. Não é possível! Zé ficou a olhar para o ecrã, hipnotizado. Está aí alguém? Escreve qualquer coisa, Zé. Olááá!!! Escreveu. Uma resposta jovial, estava bem. É só para dizer que eu não sou casada, mas já vivi com um namorado. Ah, bom..., coisa recente? Sim. Estou a ver. Pois..., era bom mas acabou-se. Não se preocupe. Há-de aparecer-lhe outro muito melhor. Obrigada pela simpatia. De nada. Se todos fossem assim como você... Se todos fossem assim como eu? O que é que ela quereria dizer com aquilo? Assim, como? Assim, simpático, compreensivo. Ah... pois. Figueiredo, será que podemos almoçar outra vez, se quiser, claro. Um dia destes, talvez...

É claro que podemos, pensou. Espera... E se fosse alguém do departamento a gozar com ele? Ergueu-se na cadeira e espreitou por cima do computador, investigando os colegas. Não, que estupidez, como é que eles sabem do que eu falei com ela ao almoço? É mesmo ela, claro está que é. Claro, amanhã? Então, está combinado. Amanhã. Beijos. Beijos. Beijos? Beijos?!!! A Bellucci a mandar-me beijos?! Deixou-se cair para trás na cadeira, extasiado. Não conseguiu acabar o relatório da agência de Setúbal. Nem lhe tocou, como é que podia? Ficou o resto da tarde a olhar para o ecrã do computador e a sonhar, em contemplação informática. Fantasias. Imaginou que do próximo almoço ia nascer uma cumplicidade profunda entre eles e que ia convidar Cátia para um cafezinho depois do trabalho e ela ia dizer logo que sim, ansiosa por passar umas horas a sós com ele. Iriam encontrar-se furtivamente num café de bairro, cheio de velhos indecentes a fingirem que liam A Bola enquanto espreitavam por cima do jornal e se babavam a admirar as pernas dela. Viu-a a fixá-lo com uns olhinhos suplicantes e a dizer-lhe, entre o fumo dos seus cigarros, que não aguentava mais, que precisava de o ter só para ela, que queria unir-se a ele para serem como duas almas gémeas. Iriam para casa dela, fariam amor urgente e acabariam os dois nus na cozinha, com a porta do frigorífico aberta, a fazerem coisas esquisitas um ao outro, a besuntarem-se com as compotas e o mel, como no filme Nove Semanas e Meia. Ah, como era bom sonhar... Figueiredo? Sim, chefe? A dormir em serviço? Não, chefe, só estava a... O meu relatório, já está pronto? Praticamente, chefe, praticamente». In Tiago Rebelo, Eu e as Mulheres da Minha Vida, 2003, Edições ASA, 2016, ISBN 978-989-233-501-8.

Cortesia de EASA/JDACT

JDACT, Tiago Rebelo, Literatura, Conhecimento, Narrativa,