«Mais de mil anos antes de sir Thomas Malory imortalizar a lenda do rei Artur e de seu Camelot, um reino emergiu das brumas da Irlanda, um reino fundado na coragem, na honradez e nos sonhos de um homem. Conn, das Cem Batalhas derrotou o seu rival, Cathair Mor, e unificou a Irlanda sob uma só coroa. Os talentos do guerreiro Conn precederam a sua reputação como estadista e rei. Depois de fixar o trono em Tara, Conn dedicou-se à criação de uma legião de guerreiros chamada de Fianna, à qual se deve uma era gloriosa de proezas admiráveis. Pela primeira vez na história da Irlanda, homens ajoelharam-se diante do seu rei para tomar os votos da cavalaria, conquistando o coração e o espírito do povo irlandês durante séculos sucessivos. Mestres no amor e na guerra, Conn e o seu Fianna ainda hoje são celebrados na poesia, na lenda, na canção, bem como no romance A Conquistadora, a história de um rei poderoso e de uma jovem que, com o seu amor, o levou a pôr a prova tudo aquilo em que acreditava...» In Nota
«Kevin O’Artagain entrou na gruta desembainhando a espada com as mãos trémulas. A vergonha misturou-se com o medo quando recordou o juramento feito perante o seu rei. Por menores que fossem as probabilidades de vitória, a sua arma nunca devia estremecer nas suas mãos. Se os seus camaradas de armas o vissem agora, ficariam incrédulos dos seus membros vacilantes. Tinham-no visto atacar selvagemente homens e feras, de dentes cerrados e sorriso gozador nos lábios. Mais alto do que a maioria dos seus adversários, não era homem com que muitos gostassem de se deparar na escuridão. E ali estava ele no corredor sombrio da gruta, sentindo um formigar no couro cabeludo enquanto o suor lhe escorria por entre as tranças, gelado e serpenteante. O medo brilhava nos seus olhos; as sombras projectadas pelas tochas agigantavam-se nas paredes.
Continuou, avançando
lateralmente, como um caranguejo aleijado, sempre de costas para a parede. Uma
tocha muitíssima grande ao fundo da gruta incendiou-se com o estalido de uma
pequena explosão. Virou para baixo a sua arma, saltou para o centro do corredor
e agachou-se atrás de uma pedra que chegava ao tecto. A luz exuberante revelou
o que o aguardava. O vazio negro que sentia no estômago aumentou de volume,
ameaçando deixá-lo aterrorizado. O espectro perseguia-o silencioso, ágil, traçando
sombras funestas nas paredes de pedra. Um capuz de carrasco escondia-lhe as feições.
Olhos verdes faiscavam nas pontas do capuz como uma ilusão óptica, levemente vista
e depressa desaparecendo. A espada maciça na mão enluvada da demoníaca aparição
aproximou-se da rocha atrás da qual Kevin se acocorou, num convite medonho.
Kevin fechou os olhos e pensou nos quatro homens que ali tinham entrado antes
dele. Quatro guerreiros mortos atirados para o exterior, onde apodreceram como
legumes nauseabundos sobre o musgo do bosque.
A fúria começou a acumular-se,
tomando o lugar do medo paralisante. Começou no dedo pequeno do pé e subiu por
ele acima como uma planta já adulta. Forneceu aos seus membros o amparo de que
precisavam para devagar se endireitarem, permitindo-lhe deixar o abrigo
improvisado e enfrentar o demónio. Um sorriso temerário entortou-lhe os lábios.
Empunhando a espada com as duas mãos, avançou e aparou o primeiro golpe perverso
da arma brandida pelo seu inimigo. A volumosa capa negra que embrulhava o
monstro dançava a cada investida; Kevin sentiu-se pequeno. A destreza que
exibia como uma medalha de honra só servia para transformar o martírio num
pesadelo projectado em câmara lenta no espaço mal iluminado. A criatura
atingiu-o, rasgando mais um pouco de carne macia, deixando à vista músculo,
tecido e uma torrente de sangue que engrossava continuamente.
A tocha ao fundo da gruta faiscou
quando Kevin O’Artagain, guerreiro do rei, se baixou numa tentativa de impedir
que o movimento rápido da espada lhe furasse o esterno e deixasse no peito um
fogo impiedoso. Num gesto de desespero, agarrou no aço fino da lâmina.
Apertou-o com a força necessária para que ele lhe cortasse os dedos da mão
direita enquanto lia a inscrição gravada no cabo de ouro polido, Vingança.
A espada soltou-se das suas mãos com facilidade. A última imagem que ficou
marcada no seu cérebro moribundo foi a da criatura que se encontrava à sua
frente retirando-se com uma graciosidade rara e caiu sobre o abdómen. O último
som que ouviu antes dos seus olhos se fixarem na expressão da morte foi a doce
ondulação da gargalhada de uma menina». In Teresa Medeiros, A Conquistadora, 1998,
Planeta Manuscrito, Grupo Planeta, 2010, 2014, ISBN 978-989-657-517-5.
Cortesia de PManuscrito/GPlaneta/JDACT
JDACT, Teresa Medeiros, Literatura, Narrativa, Cultura,