terça-feira, 1 de junho de 2021

Roma 40 D. C. Destino de Amor. Adele Vieri Castellano. «Para trás…, mais para trás, porcos! Vão para casa! Mulheres belas como esta não se veem todos os dias!, protestou alguém. Deixem-me tocar-lhe!»

jdact

(Odeio, mas não consigo deixar de desejar o que odeio). In Ovídio, Amores

Roma, 786 a.u.c, oitavo dia antes das calendas de Iulius

(33 d.C., 24 de Junho)

«A sombra das árvores alongou-se pela rua pavimentada ao longo do Célio e atingiu a multidão, oferecendo-lhe um pouco de alívio. Alguns já estavam ali há muito tempo, não querendo renunciar à bela vista. Outros, acabados de chegar, empurrados por cotoveladas nas costas, calos pisados e togas rasgadas pela fúria, iam ocupando um lugar na primeira fila. Mentula! Tem cuidado! Então, vê lá onde pões os pés! Eram maioritariamente homens, de cabelo branco, crânio brilhante e bronzeado. Algumas cabeças, de farto cabelo preto untado de óleo e despenteadas cabeleiras, encontravam-se ali para admirar um espectáculo que para muitos era uma revelação. No entanto, não faltavam elaborados penteados de matronas, que balançavam a cabeça acelerando o passo ou que, ao terem de andar mais devagar, cerravam os lábios, desconsoladas. Algumas, paradas em frente do majestoso portão guarnecido de espigões, arregalavam os olhos e depois desfaziam-se em lágrimas. Era um espectáculo inigualável. De boca em boca, a notícia espalhara-se rapidamente, atraindo dezenas, centenas de curiosos.

Todos sabiam a quem pertencia aquela domus e quem era a adolescente nua, amarrada ao portão de madeira. Braços levantados para o céu, olhos fechados, pernas com músculos contraídos na vã tentativa de as fechar para se libertar das tiras de couro que lhe prendiam os tornozelos. O que estás a fazer, seu porco imundo? A voz aguda sobressaltou muitos espectadores. Pertencia a uma das matronas que ali estavam com os olhos brilhantes. Ai, ai… Tem vergonha! Sai já daqui! A mão atingiu o cabelo despenteado, e o rapazinho, ruborizado, fugiu por entre pontapés e ofensas. Naquele momento, a multidão moveu-se como uma onda do Tibre, e os que estavam na primeira fila ficaram a dez, quinze passos da estátua de carne, cujos seios hirtos se levantavam e baixavam numa respiração curta de angústia e vergonha.

A distância era mantida por receio dos três pretorianos armados com o gládio, de pernas musculadas apoiadas com firmeza no chão, as bocas numa expressão severa e os olhos semicerrados fulminando os espectadores. Quero ver como nos vão manter afastados esta noite!, gritou uma voz das últimas filas. Ninguém me deterá…, apalpo-lhe as tetas e faço-a gritar! De quê? De prazer, claro, de que haveria de ser? Eu enfio-o pela garganta abaixo, pelos deuses! O meu é maior que o teu! As gargalhadas foram tão fortes que três ou quatro corvos levantaram voo de um cipreste existente na avenida. Como se convocados por aquela gritaria, ouviram-se passos cadenciados, acompanhados por um tilintar metálico. A multidão recuou em bloco, e logo depois apareceu uma coluna de reforço aos três pretorianos solitários. Os recém-chegados mantiveram-se impassíveis perante a visão da vítima sacrificial, como se lhes fosse indiferente.

Para trás…, mais para trás, porcos! Vão para casa! Mulheres belas como esta não se veem todos os dias!, protestou alguém. Deixem-me tocar-lhe! Um dos pretorianos recém-chegados dirigiu-se ao local de onde surgiram os gritos, com expressão carrancuda. Experimenta tocar-me, seu excremento, gritou, dirigindo-se à multidão. Ninguém se atreveu a replicar. Após o pôr do Sol, sob a luz das tochas, a jovem nua ficou menos exposta. As costas robustas, os elmos e as armas em riste impediam a visão daquele corpo palpitante e perfeito. Iam defendê-la dos ataques dos depravados durante a noite e no dia seguinte, embora a rapariguinha de doze anos, que, até àquele dia, fora considerada filha de Tibério Cláudio Druso, tivesse de permanecer exposta ao ludíbrio do público. Era a punição por ser fruto de uma traição feminina.

Quando os pretorianos a soltaram à hora estabelecida, ao pôr-do-Sol do dia seguinte, deixou-se cair nos braços de um deles. Os transeuntes apressados das primeiras luzes do amanhecer e os últimos espectadores lascivos esticaram o pescoço quando um punho fechado bateu decidido ao portão. Passou algum tempo. Depois, através da abertura do portão, dois braços receberam o corpo prostrado, tornando-o invisível. Um murmúrio de desapontamento levantou-se entre os presentes. Os pretorianos dispersaram-nos, embora já nada houvesse para ver da rapariga». In Adele Vieri Castellano, Roma 40 D. C. Destino de Amor, 2012, Quinta Essência, Oficina do Livro, LeYa, 2014, ISBN 978-989-726-128-2.

Cortesia de QEssência/OdoLivro/LeYa/JDACT

JDACT, Adele Vieri Castellano, Literatura, Roma, A Arte,