Aspectos da Vida Bizantina. Povos e Línguas
«(…) Simultaneamente. com a perda
dos Balcãs, o Império sofreu uma amputação mais grave ao ser destituído das
províncias orientais e do Sul, num processo em que se poderá distinguir duas fases.
Primeiro, entre os anos 609 e 619, os Persas conquistaram toda a Síria, a
Palestina e o Egipto. Foram posteriormente derrotados pelo imperador Heraclio e
retiraram-se para o seu país. Todavia, alguns anos mais tarde, as mesmas províncias
foram invadidas pelos Árabes e, desta vez, perdidas para sempre. Toda a costa
norte-africana sucumbiu também ao invasor. O Império de Roma no Mediterrâneo
simplesmente deixara de existir, enquanto o Estado bizantino ficara limitado à
Ásia Menor, às ilhas do mar Egeu e a um pedaço da Crimeia e da Sicília.
Os Persas iniciaram também outro
processo que viria a ter consequências demográficas importantes, ao atacarem
Constantinopla através da Ásia Menor. Ao fazê-lo causaram uma devastação
imensa. Quando os Árabes sucederam aos Persas e se assenhorearam de todos os
territórios até às montanhas do Tauro, também atacaram a Ásia Menor, não uma ou
duas vezes, mas praticamente todos os anos. As incursões continuaram durante
quase dois séculos. Muitos dos ataques de surpresa não penetraram muito para
além da fronteira, mas vários deles estenderam-se até ao mar Negro e ao mar
Egeu e alguns chegaram mesmo à própria Constantinopla. No entanto, os Árabes
nunca conseguiram ganhar uma base de operações no planalto da Anatólia. Ao
invés, o que sucedeu foi que cada vez que entravam, a população local
refugiava-se em fortes inacessíveis, dos quais a Ásia Menor está liberalmente
provida. Os Árabes passavam entre os fortes, fazendo prisioneiros e pilhando,
enquanto os Bizantinos queimavam as colheitas para privar os inimigos das
provisões e mantê-los em movimento. As consequências deste processo prolongado
são fáceis de imaginar: grande parte da Ásia Menor foi devastada e despovoada quase
de forma irreversível.
Deste modo, criou-se uma lacuna
demográfica enorme. O Império precisava urgentemente de agricultores assim como
de soldados. Para atingir este fim, teria de recorrer a transferências em massa
de populações. O imperador Justiniano II, em particular, aplicou esta política
em grande escala. Deslocou uma grande parte da população do Chipre para a
região de Cízico na costa sul do mar de Mármara. Ao que parece, foi um
fracasso: muitos dos imigrantes morreram no caminho, e aqueles que chegaram ao
destino pediram mais tarde para ser repatriados. Justiniano II deslocou também
uma grande multidão de Eslavos para a Bitínia. Mais uma vez, teve pouca sorte:
os trinta mil soldados que organizou de entre aquele grupo para lutar contra os
Árabes não foram suficientes para vencer o inimigo, após o que o imperador
infligiu represálias cruéis sobre as famílias. No entanto, nos anos 760,
sabe-se que duzentos e oito mil eslavos vieram viver para a Bitínia por mútuo
acordo. No século VIII ouvimos falar repetidamente da colonização organizada
dos Sírios na Trácia. Contudo, os imigrantes mais proeminentes foram os
Arménios, muitos dos quais chegaram sem terem sido forçados. Eram soldados
excelentes e o Império, privado do seu terreno de recrutamento na Ilíria,
precisava muito deles. De facto, a imigração dos Arménios começara no século VI,
e a partir do reinado de Maurício formaram a espinha dorsal do exército
bizantino. A entrada dos Arménios no Império prolongou-se durante muitos
séculos. Muitos estabeleceram-se na Capadócia e em outras partes da Ásia Menor
Oriental perto da sua terra natal, outros na Trácia e outros ainda na região de
Pérgamo. É impossível avançar com um valor aproximado do seu número. No
entanto, ao contrário dos Eslavos, os Arménios ascenderam rapidamente a
posições proeminentes, e até mesmo ao trono imperial, dominando a instituição
militar durante o Período Médio bizantino. Desta forma, se nos situarmos mais
ou menos na altura em que o Império iniciou o lento percurso da sua
recuperação, digamos, em fins do século VIII, encontramos a população que havia
sido agitada tão minuciosamente dispersa, que é difícil dizer que grupos
étnicos viviam onde e em que números. Afirma-se muitas vezes que afastando, por
muito doloroso que seja, os principais elementos que não falavam grego, tais
como os Sírios, os Egípcios e os Ilírios, o Império tomara-se mais homogéneo.
Também se afirma que os que não eram gregos foram gradualmente sendo
assimilados ou helenizados através da actuação da Igreja e do exército, o que,
de resto, se verificou particularmente com as populações indígenas da Ásia
Menor, assim como com os Eslavos no Peloponeso e noutros locais da Grécia. Poder-se-á
aconselhar o leitor mais crítico a encarar estas generalizações com alguma
cautela. É evidentemente verdade que após a queda do latim, o grego passara a
ser a única língua oficial do Império, pelo que para a aprender se tomara
necessário seguir uma carreira de negócios ou de comércio. Nem o arménio nem o
eslavónio alguma vez suplantaram o grego como meio de comunicação geral. Também
é verdade que, a longo prazo, o eslavónio morrera na Grécia e na Bitínia, e se
se falou algum arménio na Trácia, tanto quanto temos na memória, não terá sido
pelos descendentes dos colonos que lá se estabeleceram no século VIII. Mas
depois também se sabe que o grego sobrevivera na Ásia Menor continuamente
apenas no Ponto e numa pequena parte da Capadócia, ao passo que ter-se-á
praticamente extinto na parte oriental do subcontinente até à sua reintegração
pelos imigrantes nos séculos XVIII e XIX. Não discutiremos a última observação
de que a Ásia Menor Ocidental não falou predominantemente grego durante a Idade
Média». In Cyril Mango, Bizâncio, O Império da Nova Roma, 1980, Edições 70,
2008, ISBN 978-972-441-492-8.
Cortesia de E70/JDACT
JDACT, Cyril Mango, História, Cultura e Conhecimento,