«(…) Slains? Sim, podemos sobrevoar o castelo. Mas não é para cima na costa, é para baixo. Fica em Cruden Bay. Fitei-o, estarrecida. Onde? Em Cruden Bay. Não a podias ver, no percurso que fizeste até cá acima. Jane, atenta como sempre, reparou em algo no meu rosto, na minha expressão. O que foi?, perguntou ela. Eu nunca deixava de me surpreender com a serendipidade, a forma como os acasos colidiam com a minha vida. De todos os lugares onde poderia ter parado, pensei. Em voz alta disse apenas: não é nada. Será que poderíamos ir até lá amanhã, Alan? Sim. Vamos fazer assim…, levo-te bem cedo, de maneira a que possas observar o castelo a partir do mar e, se quiseres, quando regressarmos fico com o Jack durante algum tempo e a Jane pode levar-te até lá para dares uma vista de olhos. Fará bem às duas apanharem um pouco de ar do mar. E foi precisamente isso que fizemos. O que observei a partir do ar parecia muito maior do que o que tinha visto no solo, umas ruínas dispersas e sem tecto que pareciam erguer-se mesmo na beira da falésia, com o mar fervilhante de branco bem abaixo. Provocou-me um curto arrepio na espinha, e eu conhecia essa sensação familiar o suficiente para me sentir francamente impaciente por chegar a terra, de modo a que Jane pudesse assumir o controlo da situação e levar-me de carro até ao castelo. Desta vez havia dois outros carros no parque de estacionamento e a neve no caminho exibia pegadas profundas e deslizantes. Avancei com alguma dificuldade à frente de Jane e ergui o rosto contra as rajadas de vento salgadas que me deixavam um certo sabor nos lábios e me faziam estremecer novamente dentro do meu casaco quente.
Confesso que, posteriormente, não
me recordo de ter visto outras pessoas, embora soubesse que andavam por ali a
passear. Nem me lembrava de muitos detalhes das ruínas, apenas imagens, de muralhas
pontiagudas e duro granito cor-de-rosa, salpicado de cinzento, que brilhava sob
a luz…, a torre alta e quadrada, que se erguia bem sólida junto à beira da
falésia…, o silêncio dos aposentos interiores, onde o vento parara de rugir e
começara a gemer e a chorar, e onde as traves de madeira nuas do tecto lançavam
sombras sobre a neve amontoada. Numa grande sala havia uma enorme janela
escancarada virada para o mar e, quando me inclinei, pousando as mãos sobre o
peitoril aquecido pelo sol, reparei, ao olhar para baixo, nas marcas das patas
de um cão pequeno, talvez um spaniel,
e ao seu lado pegadas mais profundas, mostrando o local onde um homem deveria
ter estado parado a olhar, tal como eu estava, para o horizonte sem fim. Quase
conseguia senti-lo ali ao meu lado naquele momento, mas na minha imaginação já
não era o estranho moderno com quem eu tinha conversado no parque de
estacionamento no dia anterior, mas alguém de tempos mais recuados, um homem
com botas, capa e espada. Pensar nele tornou-se de tal maneira real que me
virei…, e vi que Jane me observava.
Ela sorriu quando viu a expressão
no meu rosto. Conhecia bem aquela expressão, de todas as vezes em que estivera
presente quando os meus personagens começavam a mexer-se, a falar e a ganhar
vida. A sua voz soou descontraída. Sabes que podes sempre vir até cá e ficar
connosco, e trabalhar. Temos o quarto. Abanei a cabeça. Vocês têm um bebé. Não
precisam de ter também uma pensão. Ela olhou novamente para mim e o que viu
fê-la tomar uma decisão. Então, vamos lá. Vamos descer e arranjar um espaço que
possas arrendar em Cruden Bay». In Susanna Kearsley, O Segredo de Sophia,
Edições ASA, 2012, ISBN 978-989-231-944-5.
Cortesia de ASA/JDACT
JDACT, Narrativa, Literatura, Susanna Kearsley,