NOTA: Afonso Henriques, nascido em 1109, filho do conde Henrique e de dona Teresa, neto de Afonso VI de Leão e primo direito de Afonso VII. Tem uma relação amorosa com Elvira Gualter, da qual nasceram duas filhas, Urraca e Teresa Gualter; e outra com Chamoa Gomes, de quem tem dois filhos, Fernando e Pedro Afonso. Será reconhecido com rei de Portugal, em 1143, em Zamora.
1126
Viseu, Sexta-Feira Santa, Abril de 1126
«(…) Entretanto, vinda do
primeiro andar, apareceu Teresa de Celanova. Desejosa de novidades, Maria Gomes
quis saber se ela tinha algumas.Dona Teresa já falou com os vossos pais. O
Lourenço é bom moço, disse a Celanova, piscando-lhe o olho. Maria Gomes
endireitou-se, orgulhosa, mas Chamoa perguntou: E o pai dele autoriza? Egas e dona
Teresa não se estimam! Teresa Celanova corou ligeiramente, mas recompôs-se. Egas
Moniz é bom homem, suave e carinhoso. Ao contrário do que se diz, dona Teresa
admira-o, tem educado o príncipe muito bem. Esta favorável opinião da rainha,
que Teresa Celanova ali repetia, era uma novidade, o que levou Zulmira a
perguntar: Falais de Egas Moniz com ternura. Estais encantada por ele? A outra
voltou a corar e respondeu: Agrada-me a sua companhia. Desconfiada, Fátima
largou um murmúrio malicioso: É um bocado velho para vós. Enervada, Teresa Celanova
contestou-a: Está muito bem para os seus quarenta e oito anos! Sempre tortuosa,
Fátima perguntou-lhe: Mas não sois enamorada pelo Afonso Raimundes? Pelo menos é
da vossa idade, não murcha. Já o velho Egas... Zulmira repreendeu-a novamente e
num esforço de cortesia deu o braço a Teresa Celanova, conduzindo-a para a saída,
enquanto ordenava às filhas que se fossem deitar. Porém, as quatro raparigas
permaneceram sentadas. Quando a Celanova já não as podia ouvir, Chamoa
perguntou: Será verdade que Afonso Raimundes a filhou? Fátima contou o que
sabia: Ia muito ao castelo do pai dela. Mas só se a filhou na peideira, pois
dizem que ainda é virgem, para sorte do velho Egas! Então, perguntou às galegas
se já conheciam homem, tendo Chamoa e Maria Gomes confirmado que não. Zaida
sorriu-lhes, com um ar doce. Podeis sempre aprender com mulheres, disse. Chamoa
sorriu-lhe de volta, mas Maria Gomes indignou-se: Nós não vivemos em haréns! Conciliatória,
Zaida aceitou com naturalidade aquela diferença e depois voltou a mirar Chamoa,
intrigada. O Ramiro, o bastardo do Paio Soares, que lhe haveis feito?
Chamoa franziu a testa e
murmurou, preocupada: Hoje achei-o magro, parecia doente. Depois, contou que em
Ponte de Lima tinham estado uma tarde juntos. Desconfiada, Fátima perguntou: Mas
fod…? Chamoa riu-se com aquela pergunta tão brusca e reforçou: Demos só uns
beijos! Maria Gomes olhou-a com um ar reprovador e murmurou: A Chamoa exagera,
já lhe disse que seja mais recatada! Nesse momento, Fátima animou-se e contou: Em
Coimbra, temos um livro de fo…, com figuras e tudo! A minha mãe trouxe-o com
ela, quando viemos para cá com o Taxfin. A Zaida descobriu-o no fundo de uma
arca e já o lemos. Aprendi muito. Levou o polegar à boca e chupou-o, enquanto
Chamoa se ria. Zaida, suspeitando de que a outra já se aventurara nesses
beijos, perguntou: Foi assim que haveis beijado o Ramiro? Chamoa apanhou os
seus cabelos cor de mel numa trança e garantiu que apenas tinham ido passear
pelos campos. Porém, sempre viperina, Fátima esboçou uma careta: Se casardes
com o pai dele, ides soprar na gaita da família toda! Chamoa afligiu-se de
imediato, olhando para a irmã: Paio Soares foi muito gentil comigo, mas é um
velho! Quase tão velho como o Egas! Irmã, vou ter de me casar com ele? Maria
Gomes limitou-se a uma constatação solene: Casamos com quem os nossos pais
mandam. Perante tão perentória declaração, Zaida decidiu animar a assustada
Chamoa, exclamando: Pode ser que o príncipe se enamore de vós!
A rapariga galega levantou-se de
imediato, entusiasmada. Na igreja não me largava! Sempre à minha roda! Não
viram? Até fiquei atrapalhada! Acham que está encantado comigo? Excitada, mas
também carregada de dúvidas, Chamoa interrogou a irmã mais velha: O primo Mem
Tougues disse que me afastasse do Afonso Henriques, pois ele só queria
filhar-me! Será desses? Irritada, Maria Gomes avisou-a: Não vos fieis no Mem
Tougues, sabeis bem o que ele quer de vós! A bela galeguinha olhou-a, perplexa,
e afirmou: Maria, a mãe disse-me que é com os primos que se aprende!» In
Domingos Amaral, Assim Nasceu Portugal, Por Amor a uma Mulher, Casa das Letras,
LeYa, 2015, ISBN 978-989-741-262-2.
Cortesia de CdasLetras/LeYa/JDACT
JDACT, Domingos Amaral, A Arte, Literatura,