«(…) Ele não respondeu. Nem sequer piscou. Ele me lembrava um personagem que havia sido transformado em pedra. Que feitiço poderia libertá-lo? Porquê agora?, perguntei. Essa era a minha arma secreta. A pergunta que sempre faço a meus pacientes na primeira visita. Preciso saber por que eles estão motivados a mudar. Porque hoje, entre todos os dias, eles querem começar a trabalhar comigo? Porque hoje é diferente de ontem, da semana passada ou do ano passado? Porque é diferente de amanhã? Às vezes, a dor nos empurra e às vezes, a esperança nos puxa. Perguntar Porquê agora? não é apenas fazer uma pergunta, é perguntar tudo. Um dos olhos dele se fechou momentaneamente, mas ele não disse nada. Conte-me porque está aqui, tentei novamente. Ele continuou mudo. Senti meu corpo ficar tenso e ser tomado por uma onda de incerteza e pela consciência das ténues e decisivas encruzilhadas onde nos encontrávamos: dois seres humanos cara a cara, ambos vulneráveis, ambos correndo riscos enquanto nos esforçávamos para dar nome à angústia e descobrir sua cura. Jason não havia chegado com uma indicação oficial. Aparentemente viera ao meu consultório por conta própria. Mas eu sabia, por experiência pessoal e clínica, que mesmo quando a pessoa decide se curar, pode permanecer travada durante anos.
Considerando
a gravidade dos sintomas que ele exibia, se eu não fosse capaz de fazê-lo
falar, minha única alternativa seria recomendá-lo a meu colega, o psiquiatra
chefe do Centro Médico do Exército William Beaumont, onde fiz o meu doutoramento.
O Dr. Harold Kolmer diagnosticaria a catatonia de Jason, o internaria e
provavelmente receitaria um medicamento antipsicótico, como o Haldol. Imaginei
Jason numa camisola de hospital, os olhos ainda vidrados e o corpo, naquele
momento tão tenso, retorcendo-se em convulsões devido aos espasmos musculares
muitas vezes provocados pelos remédios prescritos para controlar a psicose.
Confio totalmente no conhecimento de meus colegas psiquiatras e sou grata aos
medicamentos que salvam vidas, mas não gosto de pular directo para o internamento
se houver qualquer chance de sucesso com uma intervenção terapêutica. Eu temia
que, se recomendasse internamento e medicação para Jason sem primeiro explorar
outras opções, ele trocaria um tipo de entorpecimento por outro. Os membros
paralisados ganhariam movimentos involuntários da discinesia, uma espécie de
dança descoordenada
de tiques e movimentos repetitivos que acontece quando o sistema nervoso envia
o sinal para o corpo se mover sem a permissão da mente. O sofrimento dele, não
importava a causa, poderia ser silenciado, mas não resolvido, pelas drogas.
Talvez ele viesse a sentir-se melhor, ou sentir menos, o que muitas vezes
confundimos com a sensação de melhorar, mas não ficaria curado.
E agora? Eu pensava enquanto os minutos se
arrastavam pesados e Jason continuava sentado estático em meu sofá. Ele estava
ali porque queria, mas ainda assim permanecia aprisionado. Eu tinha apenas uma
hora. Uma oportunidade. Conseguiria fazê-lo se abrir? Conseguiria ajudá-lo a
anular o potencial violento que eu sentia tão vividamente como o vento do ar condicionado
na minha pele? Conseguiria mostrar para ele que, quaisquer que fossem seu
problema e sua dor, ele já possuía a chave para a própria liberdade? Na época,
eu não tinha como saber que, se fracassasse em fazer Jason falar naquele dia,
um destino bem pior do que um quarto de hospital o aguardava: uma vida numa
prisão de verdade, provavelmente no corredor da morte. Na época, eu só sabia
que precisava tentar. Enquanto analisava Jason, entendi que para alcançá-lo não
poderia apelar para os sentimentos. Devia usar uma linguagem mais confortável e
familiar para alguém das Forças Armadas. Eu devia dar ordens. Minha única esperança
de destravá-lo era fazer com que o sangue circulasse pelo seu corpo. Vamos dar
uma caminhada, falei. Não perguntei. Dei a ordem. Capitão, vamos levar Tess ao
parque. Agora. Jason pareceu entrar em pânico por um momento. Lá estava uma mulher,
uma estranha, falando com um pesado sotaque húngaro e dizendo a ele o que
fazer. Vi que ele olhou ao redor, como se estivesse pensando Como faço para
sair daqui?. Mas ele era um bom soldado. Ficou de pé. Sim, senhora, respondeu. Sim,
senhora». In Edith Eva Eger, A Bailarina de
Auschwitz, 2017, Editora Desassossego, 2018, ISBN 978-989-889-218-8.
Cortesia de EDesassossego/JDACT
JDACT, Edith Eva Eger, Guerra, Literatura, Conhecimento,