Saulo
«(…)
Panipat, espreitando ao longo da passarela de madeira, estava ciente do perigo.
Estalava o chicote acima das cabeças deles, resmungando e rosnando, enquanto procurava
estender as remadas para maximizar sua energia. Os músculos ondulavam nos seus
torsos. Com cada puxada para trás, eles praticamente se levantavam e, no
movimento de volta, dobravam os joelhos quase a uma posição sentada, usando a
almofada ou o estofado debaixo das coxas para deslizar rapidamente o corpo
adiante. Puxem!, vociferava o mestre dos remadores. Remem! Remem! Remem, seus cães!
Seus filhos bastardos de Adão! Suas carcaças desprezíveis de carne podre! Panipat
pareceu aumentar de estatura, e partículas de saliva branca salpicavam da sua
boca, junto às injúrias que despejava sobre as cabeças dos seus homens. Sua escória,
repreendia-os. Monte de madeira flutuante! Seus vermes repletos de insectos!
Bando de carne podre e bolorenta de cadáveres infestada de ratos! Seus restos imprestáveis
de naufrágio! Seus inúteis e imprestáveis corruptores de mulheres. Bando de
cobras raivosas que rastejam com as barrigas e comem a sujeira da terra! Remem!
Remem, estou mandando! Minha boca se escancarou em choque. Corria suor do
rosto, do peito, das costas, dos braços e das pernas de cada homem. Remem!, berrou
Panipat. Remem! Ou matarei vocês aí mesmo onde estão! E eles remaram: pelo seu
mestre de remadores, pelo capitão que os mantinha bem alimentados e bem pagos,
pela carga da qual esperavam tirar lucro, pelo orgulho no seu trabalho, pela
corrida para superar o inimigo, pelas suas próprias vidas. Nosso barco disparou
pela água, rápido e exacto como uma flecha no voo. Mesmo assim, o barco inimigo
se aproximava de nós. Remem!, A voz de Panipat estava rouca. Seu chicote
estalava. Remem! Remem!
O capitão pulava num pé e noutro,
numa dança furiosa, mas ele sabia muito bem que devia ficar fora do caminho de
Panipat e não interferir. Notei que os escravos remavam duramente, no mesmo
compasso que os outros, coisa que nem sempre faziam. E não era medo de Panipat
que os levava a isso, pensei, pois, naquele momento, ele não conseguiria
destacar um homem sequer para castigar; devia ser porque acreditavam que seu
destino seria pior num navio pirata do que se permanecessem com o capitão
Cosimo. Notei, então, que os ocupantes do nosso barco tinham algum respeito por
aquele homem a quem chamavam de capitão maluco, embora acreditassem que sua perícia
em navegação fosse pequena. Mas parecia que estavam certos na sua crença, pois
ainda não havia qualquer ilha à vista, e o preço de todo aquele esforço começava
a ser cobrado deles.
Lomas gritou: O que estamos
fazendo? Não nos mande directo pelo mar até as terras perdidas! Uma ilha,
gritou de volta o capitão Cosimo, confiante. O rapaz viu uma ilha no mapa.
Vamos nos refugiar lá. O horizonte permanecia vazio, e, subitamente, dei-me
conta de que, no passado, o capitão prometera um porto e este não havia
aparecido. Havia mesmo uma ilha no mapa, bem indicada: eu a tinha visto. Teria
sido apenas uma marca do cartógrafo ou um avistamento impreciso de algum homem
do mar? Se existia, onde estava ela? O capitão percebeu a minha preocupação e
falou rapidamente. O mar é enganador. Ele é como uma mulher: quando se é
apresentado a ela, mostra-se agradável e calma, cintila com luzes e o enfeitiça;
mas, quando se revela caprichosa, não revela seus segredos. Bateu a mão na mesa
e condenou todos os cartógrafos ao fogo eterno do inferno.
O barco pirata disparou outro
tiro e, dessa vez, a bala do canhão cantou acima de nossas cabeças e pousou com
um espirro a bombordo. O nosso barco reduzia uma quantidade infinitesimal a
velocidade à medida que o desânimo penetrava a mente dos homens. E nem mesmo
toda a fúria de Panipat foi capaz de levá-los de volta ao ritmo anterior. Senti
o relaxamento da movimentação debaixo dos pés, e, com o medo, minha respiração
encurtou, pois, assim como o resto da tripulação, eu sabia que não me sairia
muito bem sob as ordens de um comandante pirata.
Terra! Terra! O vigia, agachado
na proa por questões de segurança, havia arriscado erguer a cabeça. Gritava e
apontava: A ilha! Eu a vejo! Louvado seja Jesus e Sua Santa Mãe! Os homens
gritaram de alegria e agradeceram aos santos do céu. Pude sentir lágrimas começarem
a brotar nos meus olhos e as enxuguei com a mão. Giramos um grau ao sul. Os
remadores renovaram seus esforços. Então começaram a bradar: Uma ilha! Terra à vista!
Louvado seja! Há uma praia? Não nos guie para as pedras, Panipat! Agora o vigia
e os remadores trabalhavam juntos, guiando-nos através do círculo de recifes
semi-submersos em direcção a uma margem arenosa. Meu coração continuava a bater
forte. Não entendia como isso nos deixaria em segurança. Eu podia ver que a
ilha era desabitada, nenhum povoado ou sinal de edificação, nem cidadãos a quem
se pudesse apelar por ajuda, e a galé pirata se aproximava rapidamente». In
Theresa Breslin, Prisioneira da Inquisição, 2010, Editora Galera Record, 2014,
ISBN 978-850-113-940-0.
Cortesia de EGaleraR/JDACT
JDACT, Theresa Breslin, Literatura, Século XV, Religião,