terça-feira, 21 de dezembro de 2021

Prisioneira da Inquisição. Theresa Breslin. «Terra! Terra! O vigia, agachado na proa por questões de segurança, havia arriscado erguer a cabeça. Gritava e apontava: A ilha! Eu a vejo! Louvado seja Jesus e Sua Santa Mãe!»

Cortesia de wikipedia e jdact

Saulo

«(…) Panipat, espreitando ao longo da passarela de madeira, estava ciente do perigo. Estalava o chicote acima das cabeças deles, resmungando e rosnando, enquanto procurava estender as remadas para maximizar sua energia. Os músculos ondulavam nos seus torsos. Com cada puxada para trás, eles praticamente se levantavam e, no movimento de volta, dobravam os joelhos quase a uma posição sentada, usando a almofada ou o estofado debaixo das coxas para deslizar rapidamente o corpo adiante. Puxem!, vociferava o mestre dos remadores. Remem! Remem! Remem, seus cães! Seus filhos bastardos de Adão! Suas carcaças desprezíveis de carne podre! Panipat pareceu aumentar de estatura, e partículas de saliva branca salpicavam da sua boca, junto às injúrias que despejava sobre as cabeças dos seus homens. Sua escória, repreendia-os. Monte de madeira flutuante! Seus vermes repletos de insectos! Bando de carne podre e bolorenta de cadáveres infestada de ratos! Seus restos imprestáveis de naufrágio! Seus inúteis e imprestáveis corruptores de mulheres. Bando de cobras raivosas que rastejam com as barrigas e comem a sujeira da terra! Remem! Remem, estou mandando! Minha boca se escancarou em choque. Corria suor do rosto, do peito, das costas, dos braços e das pernas de cada homem. Remem!, berrou Panipat. Remem! Ou matarei vocês aí mesmo onde estão! E eles remaram: pelo seu mestre de remadores, pelo capitão que os mantinha bem alimentados e bem pagos, pela carga da qual esperavam tirar lucro, pelo orgulho no seu trabalho, pela corrida para superar o inimigo, pelas suas próprias vidas. Nosso barco disparou pela água, rápido e exacto como uma flecha no voo. Mesmo assim, o barco inimigo se aproximava de nós. Remem!, A voz de Panipat estava rouca. Seu chicote estalava. Remem! Remem!

O capitão pulava num pé e noutro, numa dança furiosa, mas ele sabia muito bem que devia ficar fora do caminho de Panipat e não interferir. Notei que os escravos remavam duramente, no mesmo compasso que os outros, coisa que nem sempre faziam. E não era medo de Panipat que os levava a isso, pensei, pois, naquele momento, ele não conseguiria destacar um homem sequer para castigar; devia ser porque acreditavam que seu destino seria pior num navio pirata do que se permanecessem com o capitão Cosimo. Notei, então, que os ocupantes do nosso barco tinham algum respeito por aquele homem a quem chamavam de capitão maluco, embora acreditassem que sua perícia em navegação fosse pequena. Mas parecia que estavam certos na sua crença, pois ainda não havia qualquer ilha à vista, e o preço de todo aquele esforço começava a ser cobrado deles.

Lomas gritou: O que estamos fazendo? Não nos mande directo pelo mar até as terras perdidas! Uma ilha, gritou de volta o capitão Cosimo, confiante. O rapaz viu uma ilha no mapa. Vamos nos refugiar lá. O horizonte permanecia vazio, e, subitamente, dei-me conta de que, no passado, o capitão prometera um porto e este não havia aparecido. Havia mesmo uma ilha no mapa, bem indicada: eu a tinha visto. Teria sido apenas uma marca do cartógrafo ou um avistamento impreciso de algum homem do mar? Se existia, onde estava ela? O capitão percebeu a minha preocupação e falou rapidamente. O mar é enganador. Ele é como uma mulher: quando se é apresentado a ela, mostra-se agradável e calma, cintila com luzes e o enfeitiça; mas, quando se revela caprichosa, não revela seus segredos. Bateu a mão na mesa e condenou todos os cartógrafos ao fogo eterno do inferno.

O barco pirata disparou outro tiro e, dessa vez, a bala do canhão cantou acima de nossas cabeças e pousou com um espirro a bombordo. O nosso barco reduzia uma quantidade infinitesimal a velocidade à medida que o desânimo penetrava a mente dos homens. E nem mesmo toda a fúria de Panipat foi capaz de levá-los de volta ao ritmo anterior. Senti o relaxamento da movimentação debaixo dos pés, e, com o medo, minha respiração encurtou, pois, assim como o resto da tripulação, eu sabia que não me sairia muito bem sob as ordens de um comandante pirata.

Terra! Terra! O vigia, agachado na proa por questões de segurança, havia arriscado erguer a cabeça. Gritava e apontava: A ilha! Eu a vejo! Louvado seja Jesus e Sua Santa Mãe! Os homens gritaram de alegria e agradeceram aos santos do céu. Pude sentir lágrimas começarem a brotar nos meus olhos e as enxuguei com a mão. Giramos um grau ao sul. Os remadores renovaram seus esforços. Então começaram a bradar: Uma ilha! Terra à vista! Louvado seja! Há uma praia? Não nos guie para as pedras, Panipat! Agora o vigia e os remadores trabalhavam juntos, guiando-nos através do círculo de recifes semi-submersos em direcção a uma margem arenosa. Meu coração continuava a bater forte. Não entendia como isso nos deixaria em segurança. Eu podia ver que a ilha era desabitada, nenhum povoado ou sinal de edificação, nem cidadãos a quem se pudesse apelar por ajuda, e a galé pirata se aproximava rapidamente». In Theresa Breslin, Prisioneira da Inquisição, 2010, Editora Galera Record, 2014, ISBN 978-850-113-940-0.

Cortesia de EGaleraR/JDACT

JDACT, Theresa Breslin, Literatura, Século XV, Religião,