sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

As Areias do Tempo. Sidney Sheldon. «Dentro dos muros do convento havia um sistema de escadas e passagens internas ligando o refeitório, sala comunitária, celas e capela, predominando por toda a parte um ambiente de amplitude fria e limpa»

Cortesia de wikipedia e jdact

Madrid

«(…) É como disse um dos nossos grandes escritores: Ninguém na Espanha se preocupa com o bem comum. Cada grupo se interessa apenas por si mesmo. A Igreja, os bascos, os catalães. Cada um diz que se fod… os outros. O bispo sabia que o coronel Acoca citara errado Ortega y Gasset. A citação inteira incluía o exército e o governo; mas, sabiamente, não disse nada. Tornou a se virar para o primeiro-ministro, à espera de uma discussão racional. Excelência, a Igreja Católica... O primeiro-ministro achou que Acoca já fora longe demais. Não nos interprete mal, bispo. Em princípio, é claro, este governo está dando total apoio à Igreja Católica. O coronel Acoca interveio outra vez. Mas não podemos permitir que suas igrejas, mosteiros e conventos sejam usados contra nós. Se continuarem a permitir que os bascos guardem armas e realizem reuniões neles, terão de arcar com as consequências. Tenho certeza de que as informações que recebeu estão equivocadas, declarou o bispo, suavemente. Mas pode estar certo de que ordenarei uma investigação imediata. O primeiro-ministro murmurou: Obrigado, bispo. Isso é tudo que pedimos. Martínez e Acoca ficaram observando o bispo se retirar. Depois o primeiro-ministro perguntou: O que acha? Ele sabe o que está acontecendo. O primeiro-ministro suspirou. Já tenho problemas suficientes neste momento sem criar uma crise com a Igreja. Se a Igreja é a favor dos bascos, então está contra nós. A voz do coronel Acoca era mais enérgica agora. Eu gostaria que me concedesse permissão para dar uma lição ao bispo. O primeiro-ministro foi contido pela expressão de fanatismo nos olhos do coronel. Tornou-se cauteloso. Tem mesmo informações de que as igrejas estão ajudando os rebeldes? Claro, Excelência.

Não havia como determinar se o homem dizia mesmo a verdade. O primeiro-ministro sabia o quanto Acoca odiava a Igreja. Mas talvez fosse bom deixar que a Igreja sentisse o gosto do açoite, desde que o coronel Acoca não fosse longe demais. O primeiro-ministro Martínez ficou imóvel por um instante, pensativo. Foi Acoca quem rompeu o silêncio: Se as igrejas estão abrigando terroristas, então elas devem ser punidas. Relutante, o primeiro-ministro anuiu com a cabeça. Por onde vai começar? Jaime Miró e seus homens foram vistos em Ávila ontem. Provavelmente estão escondidos no convento local. O primeiro-ministro decidiu-se. Reviste-o. Essa decisão desencadeou uma sucessão de acontecimentos que sacudiu toda a Espanha e abalou o mundo.

Ávila

O silêncio era como uma nevasca amena, suave e aconchegante, tão tranquilizante quanto o sussurro de um vento de Verão. O convento Cisterciense da Estrita Observância ficava nos arredores da cidade muralhada de Ávila, a mais alta cidade da Espanha, 112 quilómetros a noroeste de Madrid. O convento fora construído para o silêncio. As regras haviam sido adoptadas em 1601, e permaneceram inalteradas ao longo dos séculos: liturgia, exercício espiritual, reclusão rigorosa, permanência e silêncio. Sempre silêncio. O convento era um conjunto simples de prédios de pedra, em torno de um claustro, dominado pela igreja. Ao redor do prédio central as arcadas abertas permitiam que a claridade se espalhasse pelos largos blocos de pedra do chão, onde as freiras deslizam sem fazer barulho. Havia quarenta freiras no convento, rezando na igreja e vivendo no claustro.

O convento de Ávila era um dos sete que restaram na Espanha, um sobrevivente das centenas que haviam sido destruídos na Guerra Civil, num dos periódicos movimentos anti-Igreja que dominam o país ao longo dos séculos. O convento Cisterciense de Estrita Observância era devotado exclusivamente a uma vida de orações. Era um lugar sem estações ou tempo, e aquelas que ali ingressavam se tornavam para sempre isoladas do mundo exterior. A vida cisterciense era contemplativa e penitencial; o ofício divino era recitado todos os dias, e a clausura era completa e permanente. Todas as irmãs vestiam-se de forma idêntica, e os seus trajes, como tudo no convento, eram caracterizados pelo simbolismo de séculos. O capuche, o manto e capuz, simbolizava inocência e simplicidade, a túnica de linho representava a renúncia às coisas do mundo e mortificação; o escapulário, pequenos quadrados de lã usados sobre os ombros, indicava a disposição para o trabalho árduo. Uma touca, uma cobertura de linho disposta em dobras por cima da cabeça e em volta do queixo, lados do rosto e pescoço, completava o uniforme. Dentro dos muros do convento havia um sistema de escadas e passagens internas ligando o refeitório, sala comunitária, celas e capela, predominando por toda a parte um ambiente de amplitude fria e limpa. Janelas de treliça com vidro grosso davam para um jardim murado. Cada janela era guarnecida com barras de ferro e ficava acima da linha de visão, para que não houvesse distracções externas. O refeitório era amplo e austero, as janelas tinham persianas e cortinas». In Sidney Sheldon, As Areias do Tempo, 1989, Publicações Europa-América, 2003, ISBN 978-972-105-176-8.

Cortesia PEuropaAmérica/JDACT

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