Ávila
«(…) Recostou-se no catre pequeno
e desconfortável, desesperada por um cigarro. Relutante, saiu da cama. O pesado
hábito que usava até para dormir roçava contra sua pele sensível como lixa. Pensou
em todas as lindas roupas de estilistas penduradas no seu apartamento em Roma e
no Chalé em Gstaad. Irmã Lúcia
podia ouvir o movimento suave e farfalhante das freiras, reunindo-se no
corredor. Negligente, ela arrumou a cama e também saiu para o extenso corredor,
onde freiras entravam em fila, olhos baixos. Lentamente, todas começavam a
encaminhar-se para a capela. Parecem um bando de pinguins idiotas, pensou irmã
Lúcia. Não conseguia entender porque aquelas mulheres haviam deliberadamente renunciado
às suas vidas, desistindo de sexo, belas roupas e boa comida. Sem estas coisas,
que motivo existe para continuar a viver? E as malditas regras! Quando irmã Lúcia
entrara no convento, a reverenda madre avisara-lhe: Deve andar com a cabeça
baixa. Mantenha as mãos cruzadas por dentro do hábito. Dê passos curtos. Ande
devagar. Nunca deve fazer contacto visual com qualquer das outras irmãs ou
sequer olhar para elas. Não pode falar. Seus ouvidos são para escutar as
palavras de Deus. Está bem, reverenda madre. Durante o mês seguinte Lúcia
recebera as instruções.
As que vieram para cá não tinham
a intenção de se juntarem às outras, mas sim habitar a sós com Deus. A solidão
do espírito é essencial para uma união com Deus. É salvaguardada pelas regras
do silêncio. Está bem, reverenda madre. Deve sempre obedecer ao silêncio dos
olhos. Fitar as outras nos olhos a distrairia com imagens inúteis. Está bem,
reverenda madre. A primeira lição que aprenderá aqui será rectificar o passado,
expulsar os velhos hábitos e inclinações seculares, apagar todas as imagens do
passado. Fará penitência de purificação e mortificação para se despojar da
vontade e amor próprios. Não basta se arrepender das ofensas passadas. Quando compensar
não apenas seus pecados, mas também por todos os pecados que já foram
cometidos. Está bem, reverenda madre. Deve lutar contra a sensualidade, o que
João da Cruz chamou de a noite dos sentidos. Está bem, reverenda madre. Cada
freira vive em silêncio e solidão, como se já estivesse no céu. Nesse silêncio
puro e precioso, pelo qual tanto anseia, ela é capaz de escutar o silêncio
infinito e possuir Deus. Ao final do primeiro mês, Lúcia recebera os votos
iniciais.
Tivera que cortar os cabelos no
dia da cerimónia. Fora uma experiência traumática. A reverenda madre cuidava disso
pessoalmente. Convocara Lúcia à sua sala e fizera um sinal para que ela se
sentasse. Prostrara-se às suas costas e, antes que Lúcia percebesse o que
estava acontecendo, ouvira o barulho da tesoura e sentira alguma coisa
puxando-lhe os cabelos. Começara a protestar, mas compreendera subitamente que
aquilo só podia melhorar o seu disfarce. Poderei deixá-lo crescer de novo mais
tarde, pensara. Enquanto isso, ficarei parecendo uma galinha depenada. Ao
voltar para o cubículo lúgubre que lhe fora designado Lúcia pensara: Este lugar
é um ninho de serpentes. O chão consistia de tábuas soltas. A enxerga e a
cadeira de encosto recto ocupava a maior parte do espaço. Sentira-se ansiosa
por ler um jornal. Não há a menor possibilidade, reflectia. Naquele lugar nunca
tomava conhecimento dos jornais, muito menos escutavam rádio ou viam televisão.
Não havia qualquer ligação com o mundo exterior. Contudo, o que mais afectava
os nervos de Lúcia era o silêncio desolador. A única comunicação era feita
através de sinais com as mãos, e aprendê-los a levara à loucura. Quando
precisava de uma vassoura, devia deslocar a mão direita estendida da direita
para a esquerda, como se estivesse varrendo.
Quando a reverenda madre estava
insatisfeita, unia os dedos mínimos três vezes, na frente do corpo, os outros
dedos comprimidos contra as palmas. Quando Lúcia se mostrava lenta na execução
de seu trabalho, a reverenda madre comprimia a palma da mão direita contra o
ombro esquerdo. Para censurar Lúcia, ela coçava a própria face, perto do ouvido
direito, com todos os dedos da mão direita, num movimento para baixo. Pelo amor
de Deus, pensava Lúcia, parece que ela está coçando uma mordida de pulga. Elas
chegaram à capela. As freiras rezaram silenciosamente; contudo, os pensamentos
de irmã Lúcia se concentravam em coisas mais importantes do que Deus. Mais um
ou dois meses, quando a polícia parar de me procurar, sairei deste hospício. Depois
das orações matutinas, irmã Lúcia marchou com as outras para o refeitório,
violando furtivamente os regulamentos, como fazia todos os dias, ao estudar os
rostos das companheiras. A sua única diversão. Ela achava incrível pensar que
nenhumas das irmãs sabia como as outras pareciam. Sentia-se fascinada pelos
rostos das freiras. Algumas eram jovens, algumas velhas, outras bonitas, e
feias. Não podia compreender porque todas pareciam tão felizes. Havia três
rostos que Lúcia achava particularmente interessantes. Um era o da irmã Teresa,
que parecia ter cerca de sessenta anos. Estava longe de ser bonita, mas possuía
uma espiritualidade que lhe proporcionava um encanto quase sublime. Parecia
estar sempre sorrindo interiormente, como se estivesse por dentro de algum
segredo maravilhoso». In Sidney Sheldon, As Areias do Tempo, 1989,
Publicações Europa-América, 2003,
ISBN 978-972-105-176-8.
Cortesia PEuropaAmérica/JDACT
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