«(…) Eu estava tentando tanto não saber isso, mas a verdade continuava a insistir. Eu não quero mais estar casada. Não quero morar nesta casa grande. Não quero ter um filho. Mas todos esperavam que eu quisesse ter um filho. Eu estava com 31 anos. Meu marido e eu, estávamos juntos havia oito anos, sendo seis casados, havíamos construído nossa vida inteira com base na expectativa comum de que, uma vez superada a avançada marca dos 30 anos, eu iria querer sossegar e ter filhos. Ambos esperávamos que, a essa altura, eu já tivesse me cansado de viajar e fosse ficar feliz em morar numa casa grande e barulhenta, cheia de crianças e de colchas feitas à mão, com um jardim nos fundos e um reconfortante ensopado borbulhando em cima do fogão. (O facto de esse ser um retrato bastante fiel da minha mãe é um indicador rápido de como antigamente era difícil para mim perceber a diferença entre eu mesma e a poderosa mulher que havia me criado.) Mas eu não queria nenhuma dessas coisas, e estava arrasada por estar me dando conta disso. Pelo contrário: meus 20 anos haviam chegado ao fim, aquele prazo final dos 30 havia-se abatido sobre mim como uma sentença de morte, e eu descobri que não queria engravidar. Continuava esperando querer ter um filho, mas isso não acontecia. E eu conheço a sensação de querer alguma coisa, podem acreditar. Sei muito bem o que é desejo. Mas esse desejo não existia. Além do mais, eu não conseguia parar de pensar no que minha irmã me tinha dito certo dia, enquanto amamentava o seu primogénito: Ter um filho é como fazer uma tatuagem na cara. Precisa realmente ter a certeza de que é isso que quer antes de se comprometer.
Mas como poderia voltar atrás
agora? Tudo estava no lugar certo. Supostamente, aquele deveria ser o ano. Na
verdade, já vínhamos tentando engravidar havia alguns meses. Mas nada tinha
acontecido (excepto pelo facto de, num arremedo quase sarcástico de uma
gravidez, eu estar tendo enjôos matinais psicossomáticos e vomitando meu café-da-manhã
todos os dias, aflita). E todo o mês, quando eu ficava menstruada, via-me sussurrando
furtivamente no banheiro: Obrigada,
obrigada, obrigada, obrigada por me dar mais um mês de vida. Eu
vinha tentando convencer-me de que isso era normal. Todas as mulheres devem sentir-se
assim quando estão tentando engravidar, concluí. (Ambivalente, foi a palavra
que usei, evitando a descrição muito mais exacta, inteiramente dominada pelo pânico).
Vinha tentando convencer-me de
que os meus sentimentos eram comuns, apesar de todas as provas em contrário,
como a conhecida com quem eu havia esbarrado na semana anterior, que acabara de
descobrir que estava grávida do primeiro filho depois de gastar dois anos e
rios de dinheiro em tratamentos de fertilidade. Ela estava em êxtase. Sempre desejara
ser mãe, disse-me. Admitiu que vinha comprando roupinhas de bebé secretamente
havia anos, e escondendo-as debaixo da cama, onde seu marido não as encontraria.
Vi a alegria no seu rosto e a reconheci. Era uma alegria idêntica à que meu próprio
rosto havia irradiado na Primavera anterior, no dia em que descobri que a
revista para a qual eu trabalhava iria me mandar para a Nova Zelândia para
escrever um artigo sobre a busca por uma lula gigante». In Elizabeth Gilbert, Comer,
Orar, Amar, 2006, Bertrand
Editora, 2006, ISBN 978-972-251-503-0.
ortesia de BertrandE/JDACT
JDACT, Elizabeth Gilbert, Literatura, MLCT, Aniversário, Itália, Indonésia, Índia,