Sociedade e Economia
«(…) Contudo, este
valor, não inclui os limitanei,
pelo que poderá eventualmente representar antes um aumento em vez de uma
diminuição. Simultaneamente, devemo-nos lembrar que uma força expedicionária
tinha normalmente entre dez mil e vinte e cinco mil homens, e um exército de
cerca de cinquenta mil, como aquele que eventualmente terá sido accionado
contra a Pérsia, era consideravelmente grande. O serviço militar era uma
ocupação para toda a vida e, supostamente, bem remunerada. Ainda assim, não
havia muito entusiasmo entre as camadas mais civilizadas do Império, sendo a
evasão generalizada. Na altura do reinado de Justiniano, o recrutamento
havia-se tornado voluntário e dependia em grande parte das províncias mais
vigorosas, como a llíria, a Trácia e a lsáuria, onde a vida militar era já
tradicional. Também se utilizavam muito os bárbaros, tais como os Godos, os
Hunos e os Citas, que ou haviam sido criados em casa, ou tirados de tribos
fronteiriças aliadas ao Império (foederati).
Contudo, a lealdade destes últimos nem sempre podia ser tida como certa. No
Período Inicial os comandos militar e civil estavam geralmente separados,
embora na segunda metade do século VI se tivessem começado a fundir em algumas
províncias mais inseguras (particularmente em África e na Itália). Havia,
assim, uma hierarquia nas tropas do exército, culminando em vários magistri militum, bem como
uma hierarquia civil preocupada com a justiça, com as finanças e com o
funcionamento de vários serviços, tais como os postos públicos (cursus publicus), o
Estado policial e o serviço secreto (magistriani
ou agentes in rebus),
entre outros. A administração das províncias estava nas mãos dos chefes de
prefeitura pretorianos, agora destituídos da autoridade militar que detinham
anteriormente, havendo descido a vicarii
das dioceses e governadores das províncias. Constantinopla, como Roma,
tinha uma administração separada sob a alçada de prefeitos urbanos. Dever-se-á
referir que, enquanto os escalões médio e baixo dos funcionários do Estado
gozavam da segurança que lhes conferia o título de posse, ao ponto da efectiva
irremovibilidade, os oficiais superiores possuíam esse benefício apenas por um
breve período de tempo. Alguns historiadores têm falado de um estrangulamento
burocrático do Império Romano Tardio, no entanto, pelos padrões modernos, o
número mínimo de funcionários do Estado era reduzido: calcula-se que ao todo
não haveria mais de trinta mil a quarenta mil no Oriente e no Ocidente,
conjuntamente (400 d.C.). A razão traduz-se pelo facto de serem as cidades a tratar
dos seus próprios assuntos através dos conselhos municipais (curiae), compostos por
proprietários locais. Estes últimos, normalmente chamados decuriões,
formavam uma classe razoavelmente numerosa. Se presumirmos que haveria cerca de
duzentos por cidade, o número total no Oriente terá sido perto dos duzentos
mil. A sua importância para a história da civilização, todavia, ultrapassa
largamente a sua força numérica, visto que a elite intelectual do Império, as
profissões liberais, os escalões superiores da Igreja e uma grande parte dos
cargos de função pública eram preenchidos por membros da classe dos decuriões.
Havemos de considerá-los com mais pormenor. É lugar-comum da história romana do
Período Tardio que a pequena nobreza municipal estava em declínio.
Independentemente da tolerância relativamente a reivindicações por interesses
pessoais de que os membros desta classe beneficiavam (sendo Libanus o exemplo
mais frequentemente citado), o facto é que os decuriões de Constantino a
Justiniano se esforçaram bastante no sentido de fugir às suas
responsabilidades, que eram, de um modo geral, vistas como uma servidão. Do
ponto de vista da lei, todos os proprietários que alcançavam uma reserva de
propriedade estabelecida eram obrigados a servir nos conselhos, e os seus
herdeiros a segui-los. Eram, colectivamente, responsáveis pelos trabalhos
municipais, pela reparação dos edifícios públicos, aquedutos e fortificações,
por manter as ruas e os esgotos limpos, pela organização de espectáculos, por
vigiar o mercado, pela manutenção dos postos de serviço e por todos os deveres
extraordinários impostos pelo Estado, tais como alojar os soldados, fazer as compras
necessárias para reunir provisões, recrutar homens para o exército (quando o
recrutamento era preciso), etc. As cidades, por seu lado, possuíam recursos
provenientes dos impostos da terra e do mercado que faziam face às despesas
necessárias. Ainda assim, os decuriões tinham normalmente de abrir os cordões à
bolsa. Embora os encargos inerentes à sua função fossem respeitáveis, não
admira que explorassem todas as escapatórias possíveis para os evitar. A forma
mais comum de serem dispensados consistia em juntarem-se aos funcionários do
Estado ou aos do senado de Constantinopla (apesar das várias leis que o
proibiam), a fim de entrarem na Igreja ou de se tornarem professores no serviço
público. Alguns nunca casavam para não deixar um herdeiro legítimo. Outros
simplesmente fugiam. O resultado desta pressão contínua foi a ruptura da classe
curial: os membros mais pobres desapareceram, enquanto os ricos ficaram mais
ricos à custa dos seus vizinhos». In Cyril Mango, Bizâncio, O Império da
Nova Roma, 1980, Edições 70, 2008, ISBN 978-972-441-492-8.
Cortesia de E70/JDACT
JDACT, Cyril Mango, História, Cultura e Conhecimento,