«(…) Não há nenhuma [fortaleza] que dê boas-novas)), anotava em 15 de Novembro; e acrescentava na semana seguinte: Todos representam misérias e faltas, pedindo socorros. Faltava arroz, pólvora, soldados, cavalaria e fortificações. Todavia, como várias vezes também observou, não havia um real para nada. Há dois anos que não chegava canela de Ceilão, em razão da guerra que aí grassava, e porque os capitães a vendiam para pagarem aos soldados. A armada dos periches que deveria sair de Goa em começos de Outubro, para acompanhar a cáfila regressada de Cambaia com roupas, necessitava de 10000 xerafins (3. 000$000 réis). A inexistência de financiamento levou o governador a tentar convencer os guzerates, importadores destes tecidos, a adiantar a quantia . Mas só lhe conseguiu virar 6 .000 xerafins. Apesar dos esforços, não consegue ver assinada a paz com o Idalxá. Duvida mesmo que tal venha acontecer, tais as manobras dilatórias do embaixador. Tudo são mentiras e falsidades, comentava! E, comparando o comportamento deste mouro com o dos que privara em Tânger, concluía: Não tem fé nem constância em nada […] mas como isto é longe parece que também enxerga na mudança do modo e natureza.
Onde a situação se tornava mais crítica era na relação a o
socorro a Ceilão. Para este socorro não há vintém nem real, nem donde possa
vir; acuda Deus com sua Misericórdia, que só ela o pode fazer, anotava o vice-rei
em meados de Novembro. Talvez por isso escreveria a todas as ordens religiosas
encomendando o bom sucesso de Ceilão e que se expusesse o Santíssimo
diariamente. Sobre o mesmo motivo e depois de ouvir o Conselho de Estado
convocou as forças representativas do Estado para uma reunião na sala real:
Câmara, tribunais, provinciais das ordens religiosas, procuradores das cidades
do Norte e do Sul. A
todos deu conta da difícil situação militar de Ceilão e das dificuldades em
acudir-lhe . Depois chamou ao palácio várias pessoas a quem solicita empréstimo
de dinheiro para o socorro . Mas todos se escusam com misérias e trabalhos.
Situação semelhante ocorreria em relação ao arroz, cuja carência era gritante,
devido à situação de guerra com o Canará, fonte tradicional de abastecimento deste
cereal.
Pede pareceres ao Senado, Inquisição (maldita), Relação e provinciais das ordens religiosas sobre a legalidade
do lançamento de um tributo para fazer face à difícil situação do Estado .
Havia que adquirir meios, já que era difícil, senão impossível, conseguir
qualquer empréstimo. À falta de recursos financeiros, certamente motivada pelas
diminuição do comércio regional, das rendas do Estado e pelo acréscimo das despesas
militares, juntava-se alguma desorganização dos assuntos da Fazenda Real.
Desmazelo nos oficiais dos Contos e queixas contra os seus procedimentos,
negligência na arrecadação das dívidas reais, arrematação das rendas por preços
inferiores ao habitual, tais eram os males diagnosticados pelo vice-rei em relação
à Fazenda que achava mui desencaminhada.
Também a morosidade da justiça mereceria a sua crítica. Em 3 de Setembro,
após o termo das férias, deslocou-se à Relação afim de despachar petições de
presos e de agravos. E, perante o volume de processos nas mãos dos
desembargadores, recomendou-lhe celeridade e despacho às solicitações. Mas no mês
seguinte voltaria a denunciar o descuido que ali reinava, perante a delonga de
seis anos num julgamento». In Artur
Teodoro Matos, Diário do conde de Sarzedas, Vice-rei do Estado da
Índia (1655 -1656), Lisboa, colecção Outras Margens, CNCDPortugueses, 2001,
ISBN 972-787-052-X.
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