A Chegada da Inquisição (maldita) 1490-1491
Zarita
«(…) Então, para minha raiva,
descobri que Lorena estivera aconselhando o pai sobre mim, dizendo que eu não
era capaz de cuidar de um lar tão importante quanto o dele; que eu era uma garota
insensata e que provara isso por ter saído sem uma dama de companhia; que o
incidente na igreja havia maculado minha reputação; e que eu deveria
rapidamente ser mandada para um convento ou me casar com alguém que me aceitasse.
Notei também que ela se aproximara de Ramón Salazar, conversando longamente com
ele, fingindo pedir sua opinião sobre os assuntos mais triviais. Não fiquei
demasiadamente preocupada, porque Ramón sempre fora atraído por mim e somente
por mim. Por mais de um ano ele me perseguiu e procurou minha companhia, de tal
maneira que veio a ser como um membro da família. Eu acreditava que era apenas
uma questão de semanas até ele falar com o paizinho e nossas famílias chegarem
a um acordo para noivarmos. Achava que o pai aprovaria o casamento.
Ele queria que eu fosse feliz,
mas também tinha aspirações à nobreza e Ramón Salazar tinha sangue nobre. Meu
pai tinha consciência da sua posição na sociedade, e uma aliança com Ramón
Salazar aumentaria ainda mais sua reputação. Na Primavera do ano seguinte,
houve de facto um casamento. Mas não foi para o meu matrimónio com Ramón que
tendas foram montadas no terreno da nossa fazenda, grinaldas de flores
penduradas sobre as portas da casa, mesas compridas postas com toalhas de linho
branco e copos cintilantes e um padre chamado para realizar a cerimónia. Foi
para o meu pai. Meu pai e sua nova esposa, a condessa Lorena Braganza.
Antipatizei com ela desde o
momento em que a vi; aquela condessa com seus olhos brilhantes e língua
minúscula que dardejava entre dentinhos. Uma língua tão afiada quanto um
alfinete, e olhos que incomodavam e espreitavam. Uma língua que nunca ficava
parada por muito tempo e se ocupava com comentários maliciosos e sugestões dissimuladas.
Olhos que perambulavam pelos nossos ornamentos e prataria, calculando seu valor
e avaliando o preço de tudo o que viam. Os vestidos que usava tinham um decote
baixo para expor o volume do seu colo, e ela se inclinava à frente e gargalhava
quando homens que estavam na sua companhia falavam, mesmo que seus comentários
não fossem nem um pouco divertidos. De minha parte, ficava sentada, olhando-a,
pois ela dizia as coisas mais tolas que eu já tinha ouvido.
Eu não queria que ela se casasse
com meu pai. Eu não a queria em minha casa. Na noite em que seu noivado foi
anunciado, ela veio ao meu quarto para falar comigo e percebi que usava o colar
de coral de minha mãe. O colar que minha mãe prometera que eu teria no meu
aniversário de 16 anos. Isto é meu!, Arranquei-o do pescoço dela. O fecho se
quebrou, e as contas saíram voando, caíram e rolaram pelo chão. Ela gritou, e
sua criada e meu pai vieram correndo. Socorro, choramingou, segurando o pescoço.
Zarita teve um ataque e me arranhou. Tirou as mãos para revelar um vergão
vermelho brilhante no pescoço. Perdi o fôlego. Ela pressionara as próprias
unhas no pescoço para fazer a marca! Eu não fiz isso, garanti a meu pai. Zarita,
precisa se desculpar imediatamente, ordenou ele. Fiquei num silêncio
mal-humorado. Imediatamente!, repetiu. Ou vou trancá-la no seu quarto até se desculpar.
Murmurei uma desculpa, mas,
quando meu pai saiu, disse a Lorena: Você mesma fez essa marca. Para minha
surpresa, ela não negou minha acusação. Gesticulou para sua criada sair e
disse: Não deveria se queixar, pois emprega os mesmos métodos para ganhar atenção.
Não sei do que está falando. Claro que sabe. Olhou-me atentamente. Eu vi você
saindo da igreja no dia em que o mendigo supostamente a agrediu. Ele me tocou mesmo,
falei em voz baixa, pois aquele era um dia que eu preferia esquecer. Ah, eu sei
disso. Ouviram você dizer. Lorena sorriu, e não foi um sorriso amistoso. Ele me
tocou, imitou minha voz. Aquele homem realmente me tocou. Recuei diante dela.
Como sabia o que eu dissera no interior da igreja de Nossa Senhora das Dores? Todos
acreditam que o mendigo a atacou, prosseguiu Lorena, mas seu corpete não estava
rasgado, nem seu vestido ficou danificado de modo algum. O que o pobre homem tentou
fazer? Pegar um centavo da sua bolsa ou arrancar o dinheiro da sua mão antes
que o colocasse na caixa para os padres? Boa sorte para ele, digo eu. Falei com
o janota que supostamente devia ser seu protector, Ramón Salazar, e descobri o
que aconteceu. Esperava que Ramón se contentasse em sustentar o fingimento da
agressão..., ele pareceria mais homem por se ter lançado na sua defesa. Mas foi
você, Lorena se aproximou e ciciou no meu rosto, você, com sua petulância
mimada, que causou o enforcamento de um homem porque ele encostou na sua mão. Caí
para trás diante do seu ataque violento, a verdade das suas palavras despindo minha
alma e deixando-me nua.
Portanto, não me venha com afecações,
minha cara senhorita santinha. Tem de conviver com suas próprias falsidades e
as consequências dos seus actos. Lorena ergueu as saias para sair. Um homem
inocente está morto. E seu filho também, muito provavelmente». In
Theresa Breslin, Prisioneira da Inquisição, 2010, Galera Record,
2014-2015, ISBN 978-850-110-256-0.
Cortesia de GRecord/JDACT
JDACT, Theresa Breslin, Literatura, Espanha,