Com a devida vénia ao Mestre Hugo Calado
A Fronteira na Idade Média: Espaço de Separação ou Aproximação Populacional?
«(…) As questões de fronteira são
algo ambíguas, pois normalmente vemos a palavra fronteira com possuindo um
significado divisório, actualmente é uma linha estabelecida pela sociedade
política com o objectivo de separar dois ou mais estados, duas ou mais regiões,
e também os seus povos. A origem de uma fronteira reside no movimento próprio
dos seres vivos, implicando a paragem por falta de condições vitais
necessárias, ou então significa uma paragem perante um movimento contrário, e
não uma linha fixa no tempo, como a concebemos hoje em dia. A fronteira é então
móvel e artificial, a definição de fronteira, como uma linha
político-administrativa de separação entre dois espaços geográficos, é um produto
do homem e não tem enquadramento num contexto geográfico.
Muitas vezes existe uma
continuidade física e natural dos territórios em termos geográficos, cujo fim
desses mesmos espaços são determinados fisicamente pelos chamados confins
naturais, onde a própria natureza determina o término de qualquer área geográfica
que seja de características homogéneas, e mesmo assim só se consideram
elementos de separação naturais quando ainda não foram tocados por qualquer
grupo humano. Como elemento de separação, a fronteira é um modo encontrado pelo
homem para reivindicar, de modo pacífico, direitos sobre determinado
território, reivindicações essas que passaram do interior de determinados
grupos sociais dentro de uma sociedade, para um contexto mais vasto, de grupos
sociais mais numerosos, cuja separação necessitava de um acordo de divisão de
território, surgindo assim a fronteira para dividir grupos, embora esses se
possam sentir como integrantes de um todo mais abrangente, mesmo estando
separados.
Cada conjunto populacional tinha
o seu território, que deveria organizar, criando uma coesão interna, e o seu
exclusivismo pode materializar-se em duas situações: a expansão, adquirindo
mais território, surgindo a necessidade da sua defesa. Durante a Idade Média, a
fronteira significava, não uma linha divisória entre dois estados, ideia
historicamente algo recente, mas um espaço que poderia ter dimensões
consideráveis em função da expansão ou retracção de um grupo em movimento, seja
em processo de conquista, obtendo mais território para esse grupo, cujas
necessidades de acrescentamento à sua unidade territorial podem ser de várias
ordens, como melhores terrenos agrícolas, metais preciosos, uma imposição
expansionista em relação a outro grupo menos forte economicamente ou
militarmente, e também menos coeso.
Aqui predomina então o conceito
de fronteira móvel, um espaço, ocupado por várias comunidades que se expandem,
retraem ou contêm, consoante a sua capacidade de decisão e coesão. A
necessidade de expansão surge com outra necessidade, a de um espaço vital, cujo
avanço em determinada direcção necessitava de uma capacidade demográfica
considerável para criar um grupo (ou vários) de colonos-soldados, que deveriam
ocupar o espaço deixado vago pelos antigos ocupantes, após a retirada destes
últimos. No Portugal Medieval, mais concretamente no espaço da reconquista cristã
peninsular dos séculos XII-XIII, a fronteira era enquadrável no conceito de marca,
um espaço divisório e indefinido entre dois grupos humanos (Islão/Cristandade),
que recebe influências dos mesmos corpos sociais que divide, embora também se
aproxime deles, pois pode ser gerido politicamente a partir do exterior». In
Hugo Miguel Pinto Calado, A Raia Alentejana Medieval e os Pólos de Defesa Militar,
O Castelo de Noudar e a Defesa do Património Nacional, Tese de Mestrado em
História Regional e Local, Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras,
Departamento de História, 2007.
Cortesia da UL/FL/DHistória/JDACT
JDACT, Hugo M. P. Calado, Cultura e Conhecimento, História, Alentejo,