Assassinato nas Ordens Sagradas
«(…) Ao meio-dia, escreveram os jornalistas
da Time, os dois conjuntos de cédulas, presos numa grande agulha como se fosse
um kebab, foram atirados ao forno da capela junto com uma mistura química
enviando fumaça escura como sinal negativo para a multidão que aguardava na
praça de São Pedro. Mas o sistema de exaustão acima do forno estava quebrado e
a fumaça preta se espalhou pela capela, obscurecendo parcialmente os famosos frescos
de Michelangelo. Os cardeais ficaram tossindo por cerca de quinze minutos,
cobrindo a boca e esfregando os olhos, até as janelas serem abertas para limpar
o ar. Quando pararam para o almoço, enquanto os cardeais caminhavam até ao Hall
Pontifício na ala dos aposentos de Bórgia, travaram-se intensas discussões. Na
terceira eleição, às 16h30 (…) Luciani tomou a dianteira, quase obtendo a
maioria. Nesse momento, Luciani explicou depois com um sorriso que lhe valeria
o apelido de Papa Sorriso, a situação começou a ficar perigosa para mim.
Os cardeais Willebrands, dos Países Baixos, e Ribeiro, de Portugal, sentados ao
seu lado, inclinaram-se na sua direcção. Um sussurrou: Coragem. Se o Senhor dá o
fardo, dá também a força para carregá-lo. E sussurrou o outro: O mundo todo ora
pelo novo papa.
Na quarta votação, nenhum outro
nome foi lido além do de Luciani. Houve algumas cédulas em branco (…) Mas cerca
de noventa votos foram para Luciani. Os aplausos ecoaram na capela. A porta da
capela foi aberta e oito auxiliares do conclave entraram para acompanhar Jean
Cardinal Villot, o camerlengo da Igreja, até o aturdido Luciani, que ainda estava
sentado no seu lugar sob um fresco do baptismo de Cristo. O camerlengo, o rosto
todo sorrisos, fez a pergunta ritual: Aceita a sua eleição canónica como
Supremo Pontífice? Luciani respondeu primeiro: Que Deus os perdoe pelo que
fizeram em relação a mim. Depois deu seu consentimento: Accepto. As
cédulas queimadas e palha quimicamente tratada enviaram uma fumaça branca pela chaminé,
sinalizando para a multidão na praça de São Pedro que a Igreja tinha um novo
papa. Ele seria Ioannes Paulus. A multidão foi informada do nome do novo
papa: João Paulo. Depois de cantarem o Te Deum de agradecimento, o pontífice
foi escoltado até à sacristia para colocar suas vestes papais temporárias.
Reapareceu de batina branca com uma capa nos ombros e uma longa faixa branca.
Sorridente, ocupou o trono que havia sido erguido diante do altar e os cardeais
contentes se aproximaram um a um para abraçá-lo e beijar o anel papal.
Roma viu João Paulo pela primeira
vez no dia seguinte, quando 200 mil pessoas ocuparam a praça de São Pedro para
a bênção semanal do meio-dia de domingo. João Paulo falou por sete minutos. (…)
Vamos nos entender uns aos outros, ele disse para a multidão. Não tenho a
sabedoria do coração do papa João, nem o preparo e a cultura do papa Paulo. No
entanto, agora estou no lugar deles e devo tentar ajudar a Igreja. Espero que
me ajudem com as vossas orações. (…)
O novo papa, João Paulo, mostrou
um pouco do seu estilo pessoal nos planos para as cerimónias de posse ao ar
livre no dia 3 de Setembro. Por recomendação sua, não foi chamada de coroação
ou entronização, mas de missa solene para marcar o início de seu ministério como
Sumo Pontífice. João Paulo pediu para não ser carregado na liteira, como era
costume, e preferiu caminhar em procissão. O mais significativo, porém, foi o
facto de não querer ser coroado com a tiara papal na forma de colmeia. Em vez
disso, um pálio, a estola de lã branca simbolizando seu título de patriarca do
Ocidente, seria colocado sobre seus ombros. (…) No seu discurso inaugural aos
cardeais, João Paulo jurou continuar a obra do Concílio Vaticano II, convocado
pelo papa João XXIII em 1962 e concluído por Paulo VI em 1965. Iria priorizar a
revisão das leis do direito canónico, disse. Percebeu-se imediatamente que João
Paulo pretendia dar um novo estilo ao papado, mais simples e menos formal do
que muitos no Vaticano estavam habituados. Seu primeiro discurso para o mundo,
proferido na sacada da basílica de São Pedro, foi directo e pessoal. (…) Ele
pediu que os católicos tivessem misericórdia com o pobre novo papa que não
esperava chegar a esse posto. Ele fez uma brincadeira dizendo que precisaria
pegar o pesado livro do ano do Vaticano, o Annuario Pontificio, para estudar o
funcionamento da cúria.
O novo papa não fez segredo do facto
de que se sentia intimidado pela estrutura da Igreja que deveria governar. (…)
Em eventos públicos, procurou fazer ligações com os católicos comuns adoptando
uma maneira de pregar como se estivesse contando uma história e conferindo ao
Vaticano uma atmosfera de paróquia. Explicou o conceito de livre-arbítrio com uma
metáfora sobre a boa manutenção de um carro. Falou com simpatia daqueles que
não conseguiam acreditar em Deus. Brincou, comparando o casamento a uma gaiola
dourada. Aqueles que estão de fora morrem de vontade de entrar, disse, enquanto
os que estão dentro morrem de vontade de sair. Ele chocou muitos católicos ao
dizer que Deus é um pai, mas é ainda mais uma mãe, pela maneira como Ele ama a
humanidade. Citou o profeta Isaías, do Velho Testamento: Pode uma mãe esquecer
seu filho? Porém, mesmo que isso acontecesse, Deus jamais esqueceria o seu povo.
Alguns comentadores da Igreja viram seu pontificado como uma época de graça e alegria,
chamando-o de Papa Sorriso. Outros analistas disseram que a tarefa estava acima
das possibilidades do papa João Paulo, um homem que foi esmagado pelo peso da
sua nova posição. Os veteranos e tradicionalistas do Vaticano temiam que João
Paulo fosse muito liberal e que pretendesse revolucionar as doutrinas da
Igreja, incluindo a revisão de leis sobre a contracepção. O cardeal Ratzinger
via nele grande bondade, simplicidade, humanidade e coragem. Ruth Bertels
escreveu um artigo dizendo que na noite de 28 de Setembro de 1978, quando João
Paulo se sentou para comer na sala de jantar do terceiro andar do Palácio
Apostólico, seus dois secretários, padre Diego Lorenzi, que trabalhara com ele
em Veneza por mais de dois anos, e o padre John Magee, que fora indicado logo
após a eleição papal, estavam presentes. As freiras haviam preparado um jantar
simples composto de sopa, vitela, vagens frescas e uma salada. Os três comeram
enquanto assistiam ao noticiário na televisão. O papa parecia estar bem-humorado
e com boa saúde». In Paul Jeffers, Mistérios Sombrios do Vaticano, 2012, Editora Jardim
dos Livros, 2013, ISBN 978-856-342-018(7)-3(6).
Cortesia de EJdosLivros/JDACT
JDACT, Paul Jeffers, Vaticano, Religião, Literatura,