quarta-feira, 9 de março de 2022

Steve Berry. O Enigma de Jefferson. «O banco cedeu. O United Bank of Switzerland havia de facto cedido à pressão americana e, finalmente, pela primeira vez, permitiu que mais de 50 mil contas fossem investigadas…»

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«(…) Quentin Hale podia pensar em poucas coisas melhores do que ver seu barco cortando as cristas espumantes e brancas sob o intenso deslizar da vela. Se a água do mar podia realmente fazer parte do sangue de alguém, aquele certamente era o seu caso. As chalupas haviam sido os burros de carga oceânicos nos séculos XVII e XVIII. Pequenas, com mastro único, a envergadura das velas as tornava rápidas e fáceis de manobrar. As linhas rasas e dinâmicas só aumentavam a sua conveniência. A maioria tinha capacidade para cerca de 75 homens e 14 canhões. Sua versão moderna era bem maior, 85 metros, e, substituindo a madeira, materiais de última geração a tornavam mais leve e ágil. Não havia canhões sobrecarregando essa maravilha. Ela era um prazer para os olhos, um regalo para a alma, uma embarcação para águas profundas, construída para o conforto e repleta de opções de entretenimento. Doze convidados podiam desfrutar das suas luxuosas cabines, e sua tripulação somava 16 homens, alguns deles descendentes daqueles que haviam servido à família Hale desde a Revolução Americana. Porque está fazendo isso?, gritou a sua vítima. Por quê, Quentin? Hale olhou para o homem estendido no convés, algemado com pesadas correntes e vestido com um gibanete, uma espécie de armadura vazada construída com barras planas de ferro com 9 centímetros de espessura. A parte arredondada encerrava o peito e a cabeça, e os membros eram fechados por armações separadas. Séculos atrás, essas couraças eram feitas para se ajustar à vítima, porém esta era mais improvisada. Nenhum músculo podia se mover, excepto a cabeça e a mandíbula do homem, e ele fora propositalmente deixado sem mordaça.

Você está louco?, gritou o homem. Isso é um assassinato. Hale se ofendeu com tal acusação. Matar um traidor não é um assassinato. O homem acorrentado era responsável pelas contabilidades da família Hale como foram seu pai e seu avô, antes dele. Era um contador que vivia no litoral da Virginia, numa propriedade sofisticada. A Hale Enterprises Ltd. se espalhava por todo o globo e empregava cerca de trezentas pessoas. Havia muitos contadores na folha de pagamento, mas aquele homem trabalhava fora dessa burocracia e respondia somente a Hale. Eu juro, Quentin, implorava o homem. Eu só forneci a eles as informações mais básicas. Sua vida depende de isso ser verdade ou não. Ele permitiu que suas palavras transmitissem alguma esperança. Era preciso fazer aquele homem falar. Era preciso ter a certeza. Eles chegaram com uma intimação. Já sabiam as respostas para as perguntas que fizeram. Disseram-me que, se eu não colaborasse, seria preso e perderia tudo o que tenho. O contador começou a chorar. Outra vez.

Eles eram a Receita Federal. Agentes da divisão de combate ao crime que surgiram certa manhã na Hale Enterprises. Eles se dirigiram também a oito bancos no país, exigindo informações financeiras sobre Hale e sua empresa. Todos os bancos americanos colaboraram. Sem surpresa. Poucas leis asseguravam o sigilo, razão pela qual essas contas eram acompanhadas por documentos meticulosos. Mas não era esse o caso para os bancos estrangeiros, especialmente o suíço, onde o sigilo financeiro é, há muito tempo, uma obsessão nacional. Eles sabiam sobre as contas no UBS, bradou o contador, por cima do som do mar e do vento. E foi sobre elas que falamos. Mais nenhuma. Eu juro, só sobre essas. Ele olhou pela amurada o mar agitado. Sua vítima estava no convés da popa, perto da jacuzzi e da piscina, fora do alcance visual de qualquer barco que passasse por perto. Mas eles estavam navegando desde a manhã cedo e, até então, não tinham avistado nenhuma embarcação. O que eu podia fazer?, queixou-se o contador. O banco cedeu. O United Bank of Switzerland havia de facto cedido à pressão americana e, finalmente, pela primeira vez, permitiu que mais de 50 mil contas fossem investigadas por um governo estrangeiro. É claro que ameaças de processo criminal aos executivos do banco nos EUA facilitaram essa decisão. E o que seu contador falava era verdade. Ele havia verificado. Somente os arquivos relacionados ao UBS tinham sido apreendidos. Nenhuma das contas noutros sete países havia sido tocada. Eu não tinha escolha. Pelo amor de Deus, Quentin. O que você queria que eu fizesse? Queria que fosse fiel aos Artigos. Desde a tripulação da chalupa até seus empregados domésticos, passando pelos caseiros de suas propriedades e até ele próprio, todos eram mantidos unidos pelos Artigos.

Fez um juramento e deu a sua palavra, prosseguiu ele, apoiado à amurada. Assinou por baixo. O que significava garantir a lealdade. Ocasionalmente, contudo, ocorriam violações, e era preciso lidar com elas. Como naquele momento. Ele olhou novamente para as águas azul-acinzentadas. O Adventure tinha encontrado uma brisa firme de sueste. Estavam a 50 milhas náuticas em mar aberto, rumo ao sul, voltando da Virginia. O sistema dyna-rig estava funcionando perfeitamente. Quinze velas quadradas compunham a versão moderna do veleiro de outrora, com a diferença de que, agora, as vergas não giravam em torno de um mastro fixo. Em vez disso, elas ficavam permanentemente presas, os mastros girando com o vento. Nenhum marujo precisava desafiar a altura para soltar o cordame. Graças à tecnologia, as velas eram guardadas dentro dos mastros e se desfraldavam com o accionamento de um motor eléctrico, levando menos de seis minutos para se abrirem completamente. Os computadores controlavam todos os ângulos, mantendo as velas infladas. Ele sentiu o cheiro do ar marinho e tentou pensar com clareza». In Steve Berry, O Enigma de Jefferson, 2011, Editora Record, 2012, ISBN 978-850-140-205-9.

Cortesia de ERecord/JDACT

JDACT, Século XIX, USA, Literatura, Steve Berry