«Apoiando-se num corpus documental de fontes primárias e secundárias formado por cartas, crónicas, bulas e testamentos reproduzidos em edições modernas e em edições originais localizadas no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa, e nas Bibliotecas da Universidade de Coimbra, esta tese discute a participação da Rainha Isabel de Portugal (1270-1336) nas estratégias políticas da Península Ibérica na Baixa Idade Média. A Rainha Isabel, filha do Rei Pedro III de Aragão (1285-1291), ao se casar com o Rei Português dom Dinis (1279-1325), no ano de 1282, iniciou uma importante acção diplomática como mediadora nas divergências entre o Rei português, cujo anseio era uma política de centralização da monarquia contra parte da nobreza. Esta defendia os privilégios senhoriais e era representado por dom Afonso, irmão de dom Dinis e, depois, pelo filho e futuro Rei de Portugal dom Afonso IV (1325-1357). A Rainha também se notabilizou pelas acções diplomáticas que realizou com reis e rainhas de Castela e Aragão sempre com o objectivo de promover os acordos de paz como uma alternativa aos enfrentamentos bélicos, principalmente por meio da realização de alianças matrimoniais dos filhos e dos netos entre essas mesmas casas régias. Consciente da importância do seu papel, a Rainha manteve uma intensa correspondência por meio de cartas e mensageiros de sua confiança com os reinos peninsulares e autoridades eclesiásticas. Também, como uma personalidade franciscana da Baixa Idade Média, actuou intensamente nos projectos sócio-religiosos ao promover a distribuição de esmolas e construção de albergues, orfanatos, hospitais e casas para abrigar religiosos. Como viúva, dividiu as suas acções entre o exercício religioso e a diplomacia para solucionar as divergências políticas entre Portugal, Castela e Aragão». In Resumo
«A vida da rainha Isabel, esposa
do rei de Portugal dom Dinis (1279-1325) pode ser conhecida por meio de
uma vasta literatura construída ao longo de muitos séculos. No entanto, grande
parte dessa literatura pertence ao género hagiográfico e, como é próprio desse
género literário, as acções dessa rainha, resignação diante das aventuras
extraconjugais do marido, acolhimento afectuoso dos filhos bastardos do rei,
atos de benevolência para com os pobres, empenho filantrópico na construção de
albergues e de hospitais para leigos e religiosos, interferência providencial
para estabelecer concórdias nas divergências internas do reino e nas conturbadas
e delicadas relações políticas dos reinos ibéricos, entre outras, são rememoradas
como atributos de uma rainha extraordinária que, muitas vezes, solucionou parte
deles por meio de diversos milagres. Tais referências hagiográficas que
recordam os feitos da rainha não ficaram circunscritas apenas aos relatos
literários ou religiosos, pois a repercussão em torno de seus actos miraculosos
alimentou também outras manifestações culturais, como a pintura e a escultura,
contribuindo, para que sua imagem de santidade sobrevivesse como representação
plástica na memória cristã do povo português até aos dias de hoje.
Uma das primeiras obras
literárias que difundiu a figura da rainha como um ser excepcional e que, de
certa maneira, continua exercendo forte influência como paradigma da santidade
de Isabel é a obra intitulada Livro
que fala da boa vida que fez a Raynha de Portugal, Dona Isabel, e dos seus bõos
feitos e milagres em sa vida e depoys da morte. De autor
desconhecido, esse texto, do século XIV, escrito provavelmente em seguida à
morte da rainha, mostra, além das actividades da Santa nos assuntos políticos e
religiosos, a posição por ela ocupada no reino português, os momentos finais da
sua vida, a jornada dramática do seu corpo de Estremoz para o Mosteiro de Santa
Clara, em Coimbra e, sobretudo, seus milagres. Trata-se, portanto, de um texto
que fundou uma tradição literária sobre a vida da rainha Isabel ao ressaltar e
perpetuar imagens supra-humanas. Inspirados principalmente nos relatos do texto
hagiográfico do século XIV, diferentes autores dos séculos XVI e XVII
retomaram, reproduziram e difundiram outras versões sobre a história de vida da
rainha. Essa ocorrência não é mera casualidade, principalmente se se considerar
que essas obras literárias foram elaboradas no contexto em que os poderes
político e eclesiástico da época envidaram as primeiras iniciativas para
concretizar a canonização da rainha Isabel». In José Carlos Gimenez, A Rainha Isabel nas Estratégias Políticas da
Península Ibérica 1280-1336, Teses de Doutoramento, UF do Paraná, Ciências
Humanas, 2005.