Os Fósseis de Gilley
«(…)
Quer dizer então que vai gravar ao vivo para o noticiário nocturno? Cotten
sentiu os músculos se contraírem por causa da excitação. Estaria de volta ao topo.
Naquela noite, o rosto dela marcaria presença nas salas de estar de todo o
país. Deus, como ela adorava isso! É isso aí, confirmou ela. Hoje é o grande
dia. Acho melhor começar a colocar o meu pessoal em campo. Cotten percebeu uma
dose de ansiedade na voz do ex-chefe. O que está querendo dizer com isso, Ted? Pense
nas matérias de continuidade. Qual será a reacção da comunidade científica e dos
fundamentalistas ao ver a prova de que a Bíblia estava literalmente certa?
Alguém vai engolir o maior sapo..., ou talvez seja um bife de brontossauro. Adoro
um bom churrasco, disse Cotten. Houve pelo menos três segundos de silêncio
antes de Ted responder. Cuide-se, menina. Nós falamos, disse ela e desligou o telefone
móvel. Cotten observou as espessas nuvens cinzentas que se acumulavam no céu
baixo. Quem sabe ela iria testemunhar a transformação do rio Paluxy? Logo à
frente, ela avistou a placa desgastada: Fósseis e Mercadinho do Gilley. Um quilómetro.
Aí estava. O momento pelo qual tanto esperara. A reportagem que a levaria de
volta ao topo. A conspiração do Graal fora uma coisa. Mas esta agora..., iria
provar de maneira inquestionável que o homem tinha vivido durante a época dos
dinossauros. Os quinze minutos dela estavam simplesmente sendo esticados.
Durante a última viagem que fez a
Glen Rose, Gilley a tinha levado por cerca de três quilómetros adiante pela
estrada, para visitar o Museu das Provas da Criação. Ela achou aquilo
fascinante, especialmente a colecção de dinossauros e pegadas humanas.
Conversou com diversas pessoas ali, que eram fervorosas a respeito de sua crença.
Imagine só quando todos recebessem a torrente de informações que ela estava
prestes a divulgar. Entrando no estacionamento cujo chão era coberto de
pedregulhos da rústica atracção turística, Cotten Stone sentiu aquela antiga e
conhecida pontada de excitação. Ela havia produzido manchetes importantes ao
longo dos dois últimos anos: ao encontrar o Santo Graal, duas vezes; ao
persuadir o Vaticano a abrir os seus cofres e permitir que os judeus
recuperassem a menorá sagrada do Segundo Templo, levada para Roma por Tito em
70 d.C.; ao cobrir o impressionante achado dos rolos de pergaminhos mais
antigos em cavernas próximas ao Mar Morto; e ao anunciar a descoberta das
trinta peças de prata que Judas Iscariotes recebera em pagamento pela traição a
Cristo. Mas esta agora seria a coroação das suas conquistas. Quando se tratava
de sensacionalismo religioso, Cotten Stone ditava as regras. E agora ela tinha
a oportunidade de desmascarar, sozinha, os fundamentos da teoria científica da
evolução, ali mesmo naquela tarde quente, numa faixa poeirenta às margens de
uma rodovia texana. Ela estava nas alturas, sentindo a adrenalina correr pelo
rosto e pela garganta.
Cotten parou ao lado do veículo
de geração e transmissão de vídeo à distância da NBC-5 de Dallas-Fort Worth,
estacionada na frente do estabelecimento de Gilley. Já devia estar tudo pronto
para a transmissão ao vivo via satélite da sua próxima reportagem revolucionária.
Em instantes, ela revelaria ao mundo um osso de dinossauro com uma ponta de lança
enterrada, a prova de que o homem tinha vivido na época dos dinossauros. Quando
saiu do carro, Cotten voltou a observar o céu nublado do Texas. Controlem -se, ela
pensou. Cotten Stone está prestes a abalar o noticiário nocturno outra vez.
Apenas uma semana depois do que
deveria ter sido o melhor momento da sua vida, Cotten Stone estava outra vez
diante das câmeras. Mas não havia o brilho de excitação no seu rosto, nem
qualquer animação na sua voz. Em vez disso, seus olhos estavam pesadamente
maquiados, numa tentativa de disfarçar as pálpebras inchadas. O corpo todo
parecia encolhido, recurvado e, quando ela falou, a voz saiu acanhada. Gostaria
de me desculpar com todos aqueles que se sentiram traídos ou ofendidos por mim declarou
Cotten, evitando o contato visual com a câmera. Ela olhava para baixo, para os
apontamentos que tinha preparado, sentindo os olhares de toda a equipa do estúdio
sobre ela; o desprezo que eles sentiam era quase palpável. Não era a minha intenção
mentir ou conspirar para enganar os espectadores da National Broadcasting Company
ou as suas afiliadas. Nunca tive a intenção de decepcionar ninguém. Fui acusada
de ignorar as evidências que indicavam aquilo que agora está sendo chamado de fóssil
inventado, uma mentira premeditada. Nego terminantemente que tivesse algum conhecimento
anterior de que se tratava de um artefacto falso e nunca pretendi iludir nem
confundir ninguém. Se fui motivo de embaraço para algum grupo ou pessoa, sinto profundamente
que isso tenha acontecido. Espero que todos possam perdoar-me. Cotten deixou as
notas escorregarem dos dedos para o chão do estúdio. Afastou-se do foco das
luzes e deixou o local das filmagens dos noticiários. Ninguém a acompanhou. Ninguém
se despediu. Ela pensou que nunca chegaria às portas para fugir do horrível silêncio».
In
Lynn Sholes e Joe Moore, O Último Segredo, 1995, Editora Pensamento, 2015, ISBN
978-853-151-778-5.
Cortesia de EPensamento/JDACT
JDACT, Lynn Sholes, Joe Moore, Literatura, Mistério,