A Chegada da Inquisição (maldita) 1490-1491
Zarita
«(…) Entendo. O padre pensou por
um instante e então disse: É possível que a perda de um ente querido leve a fé
de uma pessoa a hesitar. É benéfico para a alma confessar essas dúvidas e
falhas a um padre. Meu próprio coração então palpitou, pois recordei minhas
duras palavras ao sacerdote da nossa região, padre Andrés, sobre a falta de
piedade demonstrada por Deus quando a mãezinha faleceu. E, do mesmo modo como
meu pai e Lorena, fui tomada pela prudência. O padre Besian pareceu notar isso.
Olhou-me novamente. Quem é essa jovem?, indagou. É minha filha, Zarita,
respondeu meu pai. E essa outra dama?, O padre apontou para Lorena. Lorena. Meu
pai pigarreou. Minha esposa. Uma segunda esposa? O padre ergueu uma
sobrancelha. Mas não disse que não se passou um ano ainda do falecimento da mãe
dessa menina? Zarita é minha única filha..., uma mulher. Deve entender, padre
Besian, meu pai estendeu as mãos, as palmas viradas para cima, um homem precisa
de um filho para herdar sua terra e seus bens. Ouvi Lorena trincar os dentes.
Teria sido porque meu pai estava dizendo que se casara com ela simplesmente por
causa de sua habilidade em procriar? Fiquei imaginando. Fui tomada por uma
sensação incomum de compaixão por Lorena, mas a rejeitei e ela não chegou a
nutrir minhas ideias.
O mais rapidamente possível,
Lorena pediu licença e deixou a sala. Quando reapareceu, pouco depois, foi para
ir à bênção na capela da localidade. Fiquei pasmada. Desde o começo de Maio
Lorena não saía no fim da manhã ou começo da tarde. Ela considerava muito
fortes os raios do sol de Verão e preocupava-se que pudessem estragar sua
cútis. Estava vestida de preto; não o preto elegante de renda de malhas largas
e tafetá farfalhante que às vezes ela usava, mas de materiais simples e escuros,
e seu rosto estava coberto com um pesado véu. O padre Besian deu-lhe um olhar
de aprovação e então se dirigiu a mim. Você não comparece à bênção?, indagou
compassivamente. Zarita cuida de seus estudos durante o dia, interpôs meu pai
antes que eu pudesse dizer qualquer coisa. Deu-me um olhar firme. E é melhor
você fazer isso agora, minha filha. Fazia tanto tempo que o pai não me chamava
de filha que senti as lágrimas brotarem. Fitou-me fixamente, e havia um apelo nos
seus olhos que fez com que eu me levantasse e lhe obedecesse.
Fui para o quarto e apanhei
alguns dos livros que o pai comprara para eu ler na época em que esteve mais
interessado na minha educação. Era difícil concentrar-me. A chegada daqueles
homens mudara a atmosfera da casa; um silêncio anormal havia se instalado por
toda a parte. Fui à janela. Normalmente, os criados se sentavam num lugar à
sombra e conversavam por mais ou menos uma hora no calor da tarde: Serafina e
as criadas preparavam vegetais enquanto Garci e o cavalariço, Bartolomé, poliam
os latões das montarias ou se ocupavam de alguma outra tarefa leve. Agora, as
únicas pessoas por ali eram os soldados que acompanhavam o padre Besian, que estavam
sentados debaixo de uma árvore comendo alguma coisa. Enquanto eu observava,
Bartolomé, sobrinho de Serafina, saiu dos estábulos com um balde na mão e um
sorriso contente no rosto. Foi até ao poço e começou a tirar água de uma bica».
In
Theresa Breslin, Prisioneira da Inquisição, 2010, Galera Record, 2014-2015,
ISBN 978-850-110-256-0.
Cortesia de GRecord/JDACT
JDACT, Theresa Breslin, Literatura, Espanha,