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Na memória popular ficou uma mulher, Isabel Pereira, que, segundo rezam
documentos da época, se mostrou dotada de grande valentia, quer pelejando nas
trincheiras, [quer] repartindo pólvora e balas aos soldados; e retirada ao
castelo ficou desacordada por algum espaço com a ferida que lhe deram, até que,
tornando a si, e vendo que não era perigosa, prosseguiu a pelejar com maiores
brios até ó fim. Em 1662, todavia, Ouguela rendeu-se sem resistência ao
exército espanhol de João de Áustria. O capitão Domingos Ataíde Mascarenhas,
que deu a ordem de capitulação, foi depois severamente punido. A paz de 1668
permitiu às terras raianas recomeçar a sarar as feridas, tanto do lado
português como espanhol. Mas…, novos conflitos se sucederam. Assim, em 1709
houve novas destruições em torno da vila, e em 1762 um rigoroso cerco, durante
o qual o capitão Brás Carvalho conseguiu resistir heroicamente. Na obra Corografia
Portuguesa, de 1708, de António Carvalho Costa, tomo IF(?), duas páginas
são dedicadas à vila de Ouguela; diz-se que a povoação tem mais de 700
habitantes, que o seu orago é Nossa Senhora da Graça, que tem casa da
misericórdia na ermida do Espírito Santo. Mais, fala-se em ruínas antigas junto
a uma ermida, São Salvador, a quatro quilómetros da vila, citada como tendo
sido Casa dos Templários. Diz-se ainda que Ouguela é (…) abundante de
pão, vinho, e gados, e [que] tem uma fonte com duas propriedades notáveis: uma,
que toda a cousa viva, que se lhe lança dentro, morre logo, excepto rãs; e
outra, que de maneira nenhuma coze carnes, nem legumes. Mais, diz-se que a
vila tem dois juízes ordinários, vereadores, um procurador do concelho, um
escrivão da câmara, um juiz órfãos com o seu escrivão, outro do judicial, e
notas, e uma companhia de ordenança. Pedro Cunha, senhor de Tábua, é apontado
como senhor de Ouguela. A obra refere a lenda da igreja de Nossa Senhora da
Enxara, no caminho de Albuquerque, semelhante a tantas outras, nas quais uma
divindade, ou uma estátua da mesma, indica o lugar onde se lhe deverá erguer um
templo. Neste caso, é uma garota, e depois a sua mãe, que são escolhidas pela
divindade. Descreve-se a imagem da Santa e opina-se que poderá ter origem
visigótica. Refere-se que há muita devoção à mesma, e que pessoas de Campo
Maior, e até de Castela, lhe pedem protecção, e visitam a Igreja.
É
significativo, talvez, que não se refira a lenda do tamborzinho. Com as
devidas reservas, tal poderá significar que esta, tão difundida em Ouguela,
terá tido origem num facto ocorrido em 1709 ou em 1762. Dificilmente poderá ter
tido lugar mais tarde. A lenda diz que estando Ouguela cercada durante uma
guerra (não se indica qual), e não sendo possível pedir socorro a Campo Maior,
uma criança terá descido pela figueira que ainda hoje se vê junto á muralha,
transportando uma bandeira e uma mensagem escrita, e talvez um tamborzinho com
que costumava brincar. Não tendo levantado suspeitas no campo espanhol,
ultrapassou as linhas inimigas e chegou a Campo Maior, entregando a mensagem no
hospital. Diz-se que Ouguela terá tido um brazão inspirado nesta lenda, mas
nada consta em documentos. Afinal, esta lenda reflecte a vivência de posto
militar raiano das gentes de Ouguela». In Carlos E. Cruz Luna, História e Declínio
de Três Povoações na Fronteira, RV000831, dip-badajoz.es, LXII, 2006.
Cortesia de RV000831/dip-badajoz.es/JDACT
JDACT, Carlos E. Cruz Luna, Ouguela, História, Conhecimento, Alentejo,