«(…) Observou-me circunspecto o rapaz e, arrogante, acrescentou: Se sois peregrino ou soldado de passagem, terei de ir perguntar ao senhor meu pai. Aguardai aqui. Sou ambas as coisas, assenti, peregrino e soldado. Mas não estou de passagem, regresso à minha casa. Hã?, murmurou sobressaltado. Sou dom Luis María Monroy de Villalobos, acrescentei. Nesta casa nasci, há vinte e oito anos. O rosto do rapaz iluminou-se. Ficou atónito, mudo, e afastou-se para me deixar passar. Avançava eu pelo saguão na penumbra' quando ele recuperou a voz e me disse com muito respeito: Passe vossa mercê, pois esperam-no, senhor meu tio. E começou a anunciar aos gritos, enquanto corria de um lado para o outro: É dom Luis María! É o cativo!...
Vislumbrei, ao fundo, a luz do
pátio e avancei com passos vacilantes, extasiado, procurando a porta que dava acesso
aos aposentos onde a minha família costumava fazer a sua vida. Na austera sala de
jantar, umas velas acesas iluminavam o quadro da Nossa Senhora das Mercês, protectora
dos cativos, que ali mandou pendurar a minha avó. Aos pés da bendita imagem, ajoelhada,
uma dama orava. A minha presença e os gritos do rapaz sobressaltaram-na. É o cativo!
É o cativo!... Ela olhou-me de alto a baixo, com expressão de perplexidade. Os meus
olhos cruzaram-se com os seus. Era tal como a recordava, apesar de o seu rosto se
ter tornado mais sereno com os anos e de o cabelo já não ser castanho, mas grisalho.
Senhora minha máe!, exclamei, levado por natural impulso. Filho da minha alma!,
respondeu ela, esticando os braços para mim. Nada há como regressar ao colo de
uma mãe depois de ter sofrido tanto. Talvez chegar ao céu…? Irmão! Meu irmão!, exclamou
alguém atrás de mim, tirando-me do meu arrebatamento.
Virei-me. Era o meu irmão Maximino,
que reconheci imediatamente, embora tivesse engordado bastante desde a última vez
que o vira. Já não era aquele rapaz de cabelos escuros e encaracolados, algo
pequeno, mas robusto e ágil. Agora, tinha a barriga avultada, cabelo branco nas
têmporas, a barba pontiaguda, como a do nosso avô, a expressão exaltada e
aquele coxear tão particular, fazendo avançar a perna de madeira com elegância,
tentando disfarçar o defeito, mas sem conseguir controlar os golpes secos do membro
inerte nos azulejos do chão. Maximino!, gritei, indo ao seu encontro. - Meu irmão!
Abraçámo-nos. Estava muito emocionado e parecia não querer que se lhe vissem as
lágrimas, pois passava constantemente os dedos pelos olhos». In Jesús
Sanchez Adalid, O Cavaleiro de Alcântara, 2008, HarperCollins Ibérica, 2021,
ISBN 978-849-139-511-9.
Cortesia de HarperCollins Ibérica/JDACT
JDACT, Jesús Sanchez Adalid, Narrativa, História, Literatura,