A Ponte dos Suspiros
«(…)
Quereis príncipes e reis?, voltava-se para trás o frade, já de saída. Pois tereis
príncipes e reis. Ali, sob a loggia, escondendo-se atrás das colunas da
arcada. Julgam que não os topo os filhos-da-mãe. Não me apanhareis descuidado,
senhores espiões do embaixador de Espanha. Quando enviar as minhas cartas para
a corte de França, para Roma, para a Holanda, saberei despistar-vos nos
assaltos ao correio da posta, nas estações das mudas, nas estalagens das montanhas...
Viste-los?, perguntou o cónego Rodrigues Costa. Vi. Não tenhais cuidado. Que
ireis fazer? Com estes, nada para já. Com os do paço ducal, convocar a Veneza o
empenho de reis e de príncipes, as pessoas dessa nobreza de Portugal que anda
homiziada da sua terra... E tantos são!
Sabeis,
Rodrigues Costa? Creio do fundo do coração que Portugal não há-de morrer pelos
séculos fora. Mas pergunto-me muitas vezes se nos séculos vindouros ainda será
necessário que os filhos da nossa terra tenham de procurar refúgio no exílio em
terra estranha... Dizem que a história se repete... O exílio..., o mal menor. E
as prisões? E as torturas? E as mortes?... Quantos dos nossos ficaram pelo
caminho às mãos dos algozes!... E agora, pelos vistos, esse nosso rei dos
ventos está preso... Isabel de Inglaterra não nos há-de negar valimento e
Henrique quarto, que tem sido informado do que se passa por seu embaixador,
mostra-se interessado no caso. Concitarei os bons ofícios do príncipe Maurício
de Nassau..., e de seu cunhado, não esqueçais, casado com Emília de Nassau,
princesa de Orange...
Dom
Manuel de Portugal, eu sei, filho de el-rei dom António. Escrever-lhe-ei para o
castelo de Wychen, na Haia, onde vivem com os filhos... E de Roma convocarei o
irmão, o príncipe dom Cristóvão de Portugal, que logo comparecerá... Não
omitais Paris. Sim, sim. Rogarei a dom João Castro, neto do vice-rei da Índia,
que venha sem demora..., e ao grande valido e esmoler de el-rei de França, o
padre doutor José Teixeira, protegido de Catarina de Médicis... Chiu!
Calai-vos, que somos seguidos... macios passos no manto da névoa...
Saíra
frei Estêvão mais o companheiro, ficou parado no meio da sala o juiz Marco
Quirini, com o papel na mão, absorto. Depois, caminhou até à porta e, atrás do
reposteiro, puxou o laço da campainha. Um mordomo apareceu. Os senhores juízes
que se reúnam comigo. Vieram os juízes. Deu-lhes conta do rol dos sinais
deixado por frei Estêvão. Poderemos, meus senhores, estar a cometer um estranho
erro, por minha fé. Julgo prudente verificarmos nós os quatro se estes sinais
conferem com o prisioneiro. E se conferirem? Que Deus nos perdoe! Teremos de
expor imediatamente o assunto ao sereníssimo doge. Caminharam então até à cela
onde se encontrava o prisioneiro e, cerrada a porta, ordenaram ao carcereiro
que o despisse...» In Fernando Campos, A Ponte dos suspiros, 1999, Difel SA, 2000, ISBN
978-972-290-806-1.
Cortesia de Difel/JDACT
JDACT, Fernando Campos, História, Literatura,