O Bastardo Escondido
«(…) Dona
Joana veio então para Portugal, onde era considerada a Excelente Senhora.
Recolheu-se ao Mosteiro de Santa Clara de Santarém e, depois de professar, à
Casa das Clarissas de Coimbra. Em 1487, ainda se falou no seu casamento com o
rei de Navarra. Mas dona Joana permaneceu solteira, e assim morreu, em 1530, no
Paço das Alcáçovas, onde João II, depois de a ter retirado do convento, lhe deu
casa e estado de rainha. Não obstante o seu celibato, houve quem dissesse que dona
Joana houvera, do rei Afonso V, seu tio, um filho. Esse rebento do régio tálamo
foi enviado, ainda criança, para a ilha da Madeira e aí se criou, rodeado de
grandezas como quem era, mas proibido absolutamente de sair da ilha. Isto
escreve César Silva, que acrescenta: Chamou-se Gonçalo de Avis Trastâmara, mas ajuntou
aos seus nobres apelidos de família o de Fernandes, certamente por assim lhe
ter sido imposto por seu irmão, o Príncipe
Perfeito, e por esse modo ficou confundido na massa dos habitantes
plebeus da ilha da Madeira. A seu tempo e como simples particular casou com uma
dama da localidade e teve prole. Nada parece mais longe da verdade histórica.
Ainda assim, um
genealogista madeirense, Luiz Peter Clode, compôs uma obra sobre a Descendência de D. Gonçalo Afonso d’Avis
Trastâmara Fernandes, O Máscara de Ferro Português, onde declina a
descendência de Gonçalo Fernandes Andrade, filho de João Fernandes Andrade e de
Beatriz Abreu. Segundo Henrique Henriques Noronha, no seu Nobiliário da Ilha da Madeira, Gonçalo
Fernandes criou-se em casa d’a Excellente Senhora dona Joanna, e foi Vedor d’o
Infante Fernando, Pae d’El Rei dom Manuel. Estabeleceu-se na
Madeira por mandado d’a ditta Senhora com bôa e luzida Casa, sem se dar a
conhecer, nem se saber quem fossem até o prezente seus Paes. Fez seu assento n’a
Ribeira d’os Soccorrídos; porém, levando-lhe uma chêa as casas, a mudou para a
Calhêta, e’em um sítio, a que chamão a Serra d’Agua, de quem elle tomou o nome,
fabricou casas e uma Ermida de Nossa Senhora d’a Conceição, a que avinculou sua
terça, tomandoa com muito luzimento, e bôas pinturas em que poz por Armas as
quinas portuguezas sobre uma cruz, e com estas mesmas sellou o testamento com
que faleceu em 13 de Junho de 1539 annos, e jaz enterrado n’a dicta Egreja.
Para o marquês de
Abrantes, genealogista ilustre, a ascendência real de Gonçalo Fernandes não
passa de uma lenda sem qualquer verosimilhança, bastando olhar para a
cronologia: como podia o vedor do infante Fernando, que morreu em 1470, ser
fruto de um casamento celebrado em 1475?
Quanto a Afonso V, é sabido que
sempre gozou da fama de ser muito casto. Rui de Pina assegura, na sua Crónica, que o monarca foi de mui
louvada continência porque havendo não mais de 23 anos ao tempo que a Rainha
sua mulher faleceu, sendo aquela idade de maiores pungimentos e alterações da
carne, tendo para isso disposições e despejo, foi depois acerca de mulheres muito abstinente, ao menos cauto […] Mas um
descuido, pelo menos, pode ter tido. E assim foi que, estando no Porto, entre
Novembro de 1465 e Fevereiro de 1466, ter-se-ia tomado de amores por Maria
Cunha, que era sobrinha de Fernão Coutinho, conselheiro régio, em casa de quem
Afonso V então estava, e haveria de casar com Sancho Noronha». In Isabel
Lencastre, Os Bastardos Reais, Os Filhos Ilegítimos, Oficina do Livro, 2012,
ISBN 978-989-555-845-2.
Cortesia de OdoLivro/JDACT
JDACT, História de Portugal, Isabel Lencastre, O Paço Real, Conhecimento,