segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

O Poema Herberto Herder: Caos e Contínuo. João P. Rodrigues Carvalho. «Também pode ser uma ironia, explicitando a perpétua posição irónica do poema em relação à prosa, invertendo-a, atacando-a, ainda que não podendo prescindir dela, para poder marcar a sua própria superioridade…»

jdact e Cortesia de wikipedia

«Análise da obra literária de Herberto Helder, contrapondo a autossuficiência de cada poema à possível existência de um único poema contínuo, uma linha semântica percorrendo todos os poemas da obra. Partindo da arte poética Photomaton & Vox, como possível chave de leitura, é pensada a sua concepção de poema: a criminalidade, como acto antissocial, apocalíptico, atacando e destruindo o mundo, isolando-se no processo. Esta destruição começa na própria memória do poeta, partindo depois para o Outro, alterado, assassinado, e ironizado, como tudo, alvos do negro riso poético. Este tom irónico duplica o significado de todo o símbolo, dualizando o sentido do poema, tornando impossível a sua leitura plena, encerrando-o, dentro de si mesmo, obscuro, ponto inalcançável para o leitor, que simplesmente sofrerá o mesmo destino do poeta e das suas fontes: a morte, a transformação. Este fracasso na leitura do poema aponta-o para o silêncio, como paz final: ausência da palavra criminosa, estado pré-linguístico onde o mal (do poema e do leitor) seria evitado, onde o poeta, demonizado, seria salvo. Assim sendo, esta dissertação falha». In Resumo

Herberto Helder morreu a 23 de Março de 2015, finalizando a sua obra; exceptuando os livros póstumos entretanto publicados (Letra Aberta e Poemas Canhotos, e, possivelmente, outros que ainda se irão publicar), que, de qualquer maneira, apenas se somaram, ou somarão, à obra, sem a rasurar. Este fim biológico torna-se especialmente significativo para o estudo literário dum poeta em constante reescrita, constantemente ameaçando (alterando e eliminando) os seus poemas anteriores (agora salvos), num exercício exclusivista que acabou por culminar nos Poemas Completos. Este exercício vitalício tem um instante peculiar na antologia (de 2001) Ou o poema contínuo, onde o poeta, explicitamente: no título, une os poemas escolhidos numa única tensão, um único poema, um poema contínuo, purificado dos textos menores, reconstruindo a obra. Sendo Herberto Helder essencialmente um poeta, este livro tem, inevitavelmente, uma tendência totalizante, excluindo tudo o resto; no entanto, aqui emerge o caso particular dos livros Os Passos em Volta (um conjunto de contos) e Photomaton & Vox (em parte, uma arte poética, completada por seis poemas, incluídos nos Poemas Completos, criando a secção Dedicatória), dois livros de prosa (ficcional e ensaística, respectivamente), genologicamente à margem do poema contínuo, como fronteiras que marcam o centro: como linhas da circunferência necessárias para marcar o centro do círculo (quer como arte poética, pressupondo um poema, quer como prosa ficcional, recuperando temas e até excertos, no conto O estilo, deste). O próprio Photomaton & Vox expõe ostensivamente esta tensão interna na obra, entre centro e fronteira: Não nos acercamos da prosa, a prosa não existe, a prosa é uma instância degradada do poema, a prosa não presume uma qualidade particular de visão e execução, especula um modo extensivo e extrapolado de desgaste do tempo, do espaço. Apesar do tom hiperbólico, não existem dúvidas sobre a existência dum paradoxo: a prosa é declarada inexistente enquanto se escreve (impossivelmente, autodestruindo-se, ironicamente). Uma segunda divergência surge no autorretrato presente no mesmo livro: Isto pode ser uma arte poética; onde este texto se coloca contra a natureza absurda da poesia, adversa às simplificações da cultura, às explicações, que mortificam o poema, que lhe tiram a sua ambiguidade, o seu potencial, explicar a obra (como uma arte poética, em parte, faz), por muito singular que seja a explicação, equivaleria a excluir todos os seus poemas, já não-poéticos: explicados. Esta contradição exige que o próprio livro de prosa duvide da sua natureza: Também pode ser uma ironia, explicitando a perpétua posição irónica do poema em relação à prosa, invertendo-a, atacando-a, ainda que não podendo prescindir dela, para poder marcar a sua própria superioridade (necessariamente comparativa, necessitando de um segundo termo)» .In João P. Rodrigues Carvalho, O Poema Herberto Herder: Caos e Contínuo, Caso de Estudo, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, FCSH, 2018.

Cortesia de FCSH/JDACT

JDACT, João P. Rodrigues Carvalho, Caso de Estudo, Cultura e Conhecimento, Herberto Helder,