sexta-feira, 10 de março de 2023

A Sala das Perguntas Fernando Campos. «Viviam agora numa herdade junto ao Zêzere, na confluência com o Tejo, em Punhete, (Constância). Tendo encontrado a mãe de cama, o olhar a arder em febre…»

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«(…) Até ao sétimo dia da doença permaneciam junto do seu leito a rainha Leonor, a infante Isabel e o príncipe João. Desesperaram os físicos da vida de el-rei e então o guarda-mor Nuno Manuel fez recolher a rainha e a infante para uma câmara próxima e pediu ao príncipe que se retirasse para um aposento que vai sobre o armazém. Tu, disse ao jovem Damião, com silencioso espanto de todos os clérigos e senhores que aguardavam na antecâmara, ficarás à cabeceira de el-rei e terás o cuidado de o chamar aos acidentes que lhe dão por intervalos. Assim o fez o jovem por três vezes, a que de todas el-rei acudiu, e querendo-o chamar a quarta, que era já no noveno dia. foi-lhe defeso pelos senhores que estavam na câmara. Quatro horas depois do meio-dia surgiram os verdadeiros sinais da morte, tão perfeita a memória que em alta e clara voz dizia os versículos dos salmos com os religiosos que ao redor da cama rezavam. Desgarrou-se-lhe a alma da carne às nove horas da noite, aos treze dias de Dezembro do ano de mil e quinhentos e vinte e um, dia da bem-aventurada Santa Luzia, em idade de cinquenta e dois anos, seis meses e treze dias, dos quais reinou os vinte e seis, um mês e dezanove dias.

Seis dias depois do passamento o príncipe João era alçado rei, segundo as costumadas praxes. No ano seguinte o jovem Damião é mandado pelo novo rei para a Flandres. Parte do Tejo na armada de Pedro Afonso de Aguiar.

Muitos dias enrolou o tempo em seu fuso. Maria do Céu morreu e Ana Macedo começou a sentir-se cansada, a doença a bater-lhe à porta, sem forças para aguentar o peso daquele segredo. Conheceu que também ela iria em breve prestar contas ao Criador. O marido ausente na corte, chegava-lhe de Coimbra o filho Luís Vaz, levado a cabo junto do tio frei Bento, chanceler da Universidade, o seu curso de escolar. Viviam agora numa herdade junto ao Zêzere, na confluência com o Tejo, em Punhete, (Constância). Tendo encontrado a mãe de cama, o olhar a arder em febre, olheiras roxas, a voz sumida, o rapaz alarmou-se: Vou chamar o físico. Não. Espera. Não saias agora de ao pé de mim. Luís sentou-se na beira da cama com a mão de Ana entre as suas: Como escaldas, minha mãe! Sorriu-lhe a mãe: Assim estou bem. Vai fechar aquela porta, que tenho de falar-te. Luís levantou-se e fechou a porta.

Cola o teu ouvido à minha boca. O que te vou dizer nem o ar o pode ouvir… e Ana Macedo confiou o segredo ao filho, fazendo-o jurar que o não comunicaria a ninguém. e não tardou a desfalecer.

Correu o filho a buscar os socorros do médico e, de caminho, os do  padre. E tanto as mezinhas como o sagrado viático tiveram a virtude de curar a senhora, que havia de percorrer ainda muita vicissiyude da vida». In Fernando Campos, A Sala das Perguntas, Difel 82, 1998, ISBN 972-290-437-X.

Cortesia de Difel/JDACT

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