A casa Tellier
«(…) A Rafaela,
com um penteado emplumado a fingir um ninho cheio de passarinhos, usava um
vestido lilás, semeado de lantejoulas de ouro, uma coisa como que oriental que
calhava bem com a sua cara de judia. A Rosa Pileca, de saia cor-de-rosa com
amplos folhos, tinha o aspecto de uma menininha excessivamente gorda, de uma
anã obesa; e as duas Chancas pareciam ter escolhido de propósito uns adornos
estranhos por entre velhas cortinas de janela, as velhas cortinas com ramagens
do tempo da Restauração. Mal deixaram de estar sozinhas no compartimento, as
senhoras assumiram um comportamento sério, e puseram-se a falar de coisas
elevadas para criarem boa opinião a seu respeito. Mas em Bolbec apareceu um
sujeito de suíças loiras, com anéis e uma corrente de ouro, que arrumou na rede
por cima da sua cabeça vários pacotes embrulhados em oleado. Tinha um ar
trocista e de boa pessoa. Cumprimentou, sorriu e perguntou com todo o
à-vontade: Estas senhoras vão mudar de quartel? A pergunta lançou no grupo uma
confusão embaraçada. Por fim a Madame recuperou a presença de espírito e
respondeu secamente, para vingar a honra do pelotão: O senhor podia ser mais
bem educado! Ele desculpou-se: Perdão, eu queria dizer de convento. A Madame, como não encontrou nada para responder, ou talvez por achar a
rectificação suficiente, fez um cumprimento digno franzindo os lábios.
Então o senhor, que estava sentado
entre a Rosa Pileca e o velho camponês, pôs-se a piscar o olho aos três patos
cujas cabeças espreitavam do grande cesto; e depois, quando sentiu que o seu
público já estava cativado, começou a fazer festas aos animais debaixo do bico,
dirigindo-lhes frases engraçadas para alegrar a companhia: Com que então
deixámos o nosso charco!, quáquá!, quáquá!, quáquá!, para conhecermos o belo
espeto, não é?, quáquá!, quáquá!, quáquá! Os infelizes animais reviravam o
pescoço para evitar os seus afagos, faziam terríveis esforços para saírem da
sua prisão de vime; e depois, de repente, os três em conjunto, soltaram um lamentoso
grito de aflição: Quáquá! quáquá! quáquá! Houve então uma explosão de
gargalhadas entre as mulheres. Elas debruçavam-se, empurravam-se umas às outras
para espreitar; estavam loucamente interessadas nos patos; e o senhor redobrava
de graciosidade, de espírito e de carícias.
A Rosa meteu-se no assunto e,
debruçando-se por sobre as pernas do seu vizinho, beijou os três animais no
nariz. E logo todas as mulheres os quiseram beijar também; e o senhor sentava
as senhoras nos seus joelhos, fazia-as dar saltos, beliscava-as; não tardou e
estava a tratá-las por tu». In Guy Maupassant, Contos Escolhidos,
1885, Edições don Quixote, Grupo Leya, 2011, ISBN 978-972-204-682-4.
Cortesia de EdonQuixote/JDACT
JDACT, Guy Maupassant, Contos, Século XIX, Escrita,